Osteopenia como conseqüência do uso da toxina botulínica

Esta semana encontrei no Facebook uma figura do pessoal da página Dores orofaciais baseadas em evidências sobre o artigo da equipe da profa. Karen Raphael da Universidade de Nova Iorque sobre osteopenia como consequência do uso da toxina botulínica quando utilizado no tratamento de pacientes com Disfunção Temporomandibular (DTM) do tipo dor miofascial.

Achei bacana que eles abordaram este artigo que foi publicado em maio de 2014 no Journal of Oral Rehabilitation, ou seja, super recente!

Eu comentei com os alunos do curso de especialização do IEO – Bauru no último módulo que achei brilhante a ideia do artigo pois, pela primeira vez, abordaram os efeitos colaterais da técnica.

Isso porque existe o seguinte argumento: ok, os estudos mostram que o uso da toxina botulínica na dor miofascial mastigatória não tem eficácia comprovada, ou que seja melhor do que agulhamento seco ou mesmo infiltração com anestésico, mas mal também não faz. Cansei de ouvir isso. Mas será que mal mesmo não faz?

Vou agora tentar resumir para vocês o que os autores escreveram neste trabalho…

Primeiro, aconteceu uma revisão sobre o uso da toxina botulínica dedicando uma parte a dizer que a indicação para o uso em DTM é ainda off-label. Ainda assim, os autores enfatizam que houve uma disseminação da técnica com o número crescente de cursos dedicados a sua explanação nos Estados Unidos (a semelhança com o Brasil não é mera coincidência).

Quando se pensa sobre o uso de uma técnica, devemos pensar na sua eficácia X segurança.

O que há sobre a eficácia do uso da toxina para infiltração em músculos mastigatórios no tratamento da DTM?

Os poucos estudos mostram que AINDA (quem sabe no futuro, não?) a evidência científica é insuficiente para guiar a prática. Um estudo multicêntrico com 21 pacientes mostrou que a toxina botulínica foi ineficiente no tratamento da dor muscular mastigatória. Mas o estudo é pequeno e portanto ainda não conclusivo (me pergunto sempre porque não surgem outros estudos…).

E o que há sobre segurança do uso desta técnica?

A toxina botulínica mostra níveis de segurança adequados para várias indicações como estética, blefaroespasmo e hiperidrose. Entretanto, os autores mostram que nenhuma destas indicações envolvem redução de força muscular. Já a injeção em músculos mastigatórios reduz a força muscular. E qual a consequência disso? Foi exatamente o que os autores questionaram!

E por que investigar osteopenia?

Porque os ossos estão em constante remodelação e esta é guiada pela tração gerada pela musculatura esquelética. Em modelos animais, observou-se que a paralisia muscular induzia dramaticamente a perda óssea. Ainda em animais, os estudos com toxina botulínica mostram que em 12 e 16 semanas após a injeção, já ocorria a perda óssea.

Osteopenia e volume ósseo reduzido pode aumentar o risco de doença periodontal, perda de osso alveolar e perda dentária e ainda aumenta o risco de fratura mandibular após traumas, além de restringir futuros tratamentos odontológicos como implantes dentários.

Mas será que isso acontece em humanos?

O que os autores buscaram neste estudo foi responder a esta pergunta. E para isso analisaram um pequeno grupo de mulheres com DTM muscular (dor miofascial) que receberam ou não toxina botulínica nos músculos mastigatórios em pelo menos uma aplicação. Submeteram estas pacientes a exames com tomografia computadorizada cone-beam para avaliar região da ATM e densidade do trabeculado ósseo mandibular.

(Sugiro para entender a metodologia, a leitura do artigo na íntegra)

E qual foram os achados?

Significativamente observaram que os pacientes que receberam as injeções com toxina botulínica apresentaram densidade óssea reduzida. Foi o único achado relevante, porém, mostrou que sim, a toxina pode ter efeitos colaterais importantes (achei engraçado o pessoal da página Dor Orofacial baseada em Evidências realizarem a analogia com chá de camomila, rs…).

Como tudo na vida, isso pode mudar…. Mais estudos são necessários para se comprovar ou refutar estes achados!

Agora, vem cá, use seus neurônios e coloque na balança: eficácia, segurança e custo….

Na minha balança, ainda não indico como primeira escolha a terapia com toxina botulínica ao paciente com DTM ou bruxismo, confinando esta técnica a pacientes refratários e muito bem indicados.

E outra coisa, você que pretende fazer ou fez curso do uso da toxina, APRENDA A PRIMEIRO REALIZAR O DIAGNÓSTICO CORRETAMENTE, antes de escolher a terapia que irá realizar.#ficaadica

 

5 pensamentos sobre “Osteopenia como conseqüência do uso da toxina botulínica

  1. Aprender a diagnoaticar e’ um primeiro passo adequado; evita- se asnices cometidas em nome de ” se fazer alguma coisa”; quantas vezes i ” não fazer se revela melhor como opção” ?. Da remodelação, ela ocorre em especial pela tração do periósteo, e não da pressão ( M.Moss).

  2. Ja estou recebendo com uma certa freqüência, pacientes que se submeteram a este tratamento e depois de 2,3 aplicações, voltaram a procurar outros metodos de tratamento por nao estarem sentindo mais os efeitos da 1a. aplicação.
    Futuramente, ate pretendo fazer o treinamento, mas justamente para poder usa-lo em situacoes mais especificas a serem definidas ainda e logicamente com maiores evidencias.Ate entao…

  3. O conceito do estudo piloto já prevê limitações e concordo que isso deve ser considerado. Mas é a melhor evidência que temos no momento com esse enfoque e assim precisamos ser cautelosos sim com o uso da toxina. Além disso, as tentativas de regeneração mediante novas junções neuromusculares não são tão eficientes e atrofia muscular neurogênica (em humanos) após aplicação de toxina também pode ser constatada. Sinceramente fico receosa que haja banalização de uma ferramenta terapêutica não tão inócua como muitos supõem…

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