Arquivo da tag: oclusão
Oclusão e DTM: assunto encerrado?

- Força da associação: quanto mais forte uma associação, maior será a possibilidade de se tratar de uma relação causal
- Consistência ou replicação: o mesmo resultado é obtido em diferentes circunstâncias
- Especificidade: causa leva a um só efeito e o efeito tem apenas uma causa
- Temporalidade: a causa deve sempre preceder o efeito
- Gradiente biológico: curva de dose-resposta
- Plausibilidade: existe plausibilidade biológica para o efeito existir?
- Coerência: ausência de conflitos entre os achados e o conhecimento sobre a história natural da doença
- Evidência experimental: estudos experimentais em populações humanas.
- Analogia: efeitos de exposições análogas existem?
- Introdução do fator causal (evidência experimental): vamos à lógica – se introduzirmos interferências oclusais, logo os sintomas e sinais de DTM irão aparecer, certo? Bem, não é o que mostram os estudos experimentais com interferências. Por exemplo, uma revisão realizada pelo Prof. Gleen Clark e colaboradores publicada em 1999 observou dados de 28 estudos, 18 em humanos e 10 em animais, nos últimos 60 anos, e chegaram a conclusão que não é possível determinar causalidade. Também, um experimento conduzido pela Profa. Ambra Michelotti e colaboradores introduziu interferências oclusais ativas em pacientes assintomáticos. Os resultados mostraram que o limiar de dor à pressão não foi alterado.
Li um comentário lá na postagem do André que acho pertinente aqui: uma pessoa relatou que apresentava interferência, desenvolveu dores (acredito ser na face pelo relato) e ao ajustar a restauração percebeu melhora. Eu respondi a ela que lesse sobre hipervigilância oclusal (sugiro que vocês também). Também no grupo de pesquisa da professora Ambra Michelotti, um experimento foi realizado em pacientes com graus distintos de hábitos parafuncionais em vigília. Na presença de uma interferência oclusal ativa, os pacientes com menor grau evitaram o contato simplesmente. Já aqueles com maior grau acabaram adquirindo uma posição de fuga da interferência, e aumentando a contração muscular para se manter nesta posição, hipervigilantes a ela. Com isso desenvolveram sintomas de DTM muscular. O problema não foi a interferência em si e sim o que o paciente realizou com sua boca. E aí estudem neurociência e o comportamento de defesa, atenção, vigilância, placebo e expectativa para entenderem mais…
- Temporalidade: qual a lógica – má oclusão leva a DTM ou DTM leva a má oclusão? Acho que a primeira é sempre a mais citada. Sobre esta relação o ideal era um estudo coorte bem feito, o que é complicado de se encontrar. Alguns estudos mostram resultados interessantes. Por exemplo, o estudo de Mohlin e colaboradores que acompanhou indivíduos dos 11 aos 30 anos e procurou diferenciar as características entre adolescentes com sinais e sintomas de DTM com assintomáticos. Os resultados mostraram que não havia diferença no padrão de contato dentário entre os grupos. Outro estudo que observou por 9 anos pessoas com e sem perda dentária posterior mostrou também não haver diferenças na prevalência, severidade e flutuação de sinais e sintomas de DTM entre os grupos. E ainda, quem atende pacientes com artralgia (capsulite ou sinovite) sabe que um dos sinais presentes é mordida aberta posterior ipsilateral… A forma com que o paciente com dor oclui é a mesma com o qual a ele ocluiria sem dor? Pensem…
- Coerência: o estudo de doutorado do Prof. Paulo Conti,realizado em 1993, apontou que a oclusão não parecia influenciar a presença e severidade da DTM. Uma revisão sistemática publicada já há alguns anos por Mohlin e colaboradores na revista Angle Orthodontics também mostrou que a correlação entre má oclusão e DTM ou é fraca ou é inexistente.
- Para terminar vamos ao tratamento! E foi este o ponto mostrado na postagem do André no Doutor tenho Dor: a falta de evidência do uso do ajuste oclusal na terapia para DTM. Um dos artigos mais citados sobre este assunto é uma revisão sistemática Cochrane que mostra a ausência de evidência para concluir que esta terapia é útil não só no tratamento mas na prevenção de DTM. Por este motivo, e também por ser o ajuste oclusal uma terapia irreversível, a Academia Americana de Dor Orofacial, por exemplo, orienta em seu guia que esta terapia não seja utilizada no tratamento para DTM.
Textão no Facebook
Hoje fui compartilhar uma foto da página Dor Orofacial baseada em Evidências no Facebook e comecei a escrever, escrever… Pronto! Virou um daqueles textos longos que ninguém lê ao abrir o Facebook no seu celular! rs…
Assim, resolvi compartilhar aqui. Quem sabe alguém lê e troca uma ideia comigo! 🙂
Foto e textão abaixo! 🙂
Hipervigilância: quando a ansiedade interfere na parafunção
Falta exatamente uma semana para o Dia do Bruxismo comigo e com a super Adriana Lira Ortega! Sábado que vem, neste horário, estaremos reunidos em São Paulo para conversar durante o dia todo sobre isso! E eu estou super ansiosa, já preparando o material que ficará disponível ao pessoal que fizer o curso. E como ansiedade é o que está dominando aqui, resolvi escrever sobre isso!
Sabemos que os processos afetivos podem interagir com nocicepção e dor, por exemplo, nos mais variados níveis como: geração, modulação e resposta à dor. A ansiedade é um destes aspectos que influenciam o comportamento e a reposta do indivíduo frente a um estímulo. Para entender melhor a relação com dor, eu sugiro a vocês a leitura do capítulo 9 do livro Functional Pain Syndromes: presentation and pathophysiology, publicado pela IASP. Este livro é maravilhoso e tem em formato digital também!
Bem, neste capítulo citado, os autores Bruce Naliboff e Jamie Rhudy discorrem sobre os diversos aspectos pelos quais a ansiedade pode ser estudada: estado ou traço ansioso, neuroticismo, estresse, medo, catastrofização, etc. Um destes aspectos pelo qual a ansiedade pode influenciar o desenvolvimento e persistência dos sintomas somáticos é a hipervigilância.
Hipervigilância é um “hábito perceptual” que envolve uma amplificação subjetiva por uma variedade de sensações aversivas. McDermid et al., 1996
A hipervigilância tem sido mais estudada com relação ao sintoma dor. Ela leva a alterações no sistema de percepção, sistema autonômico e mesmo em mecanismos cognitivos. Pode representar uma falha do modo padrão de regiões cerebrais para desengatar de um estímulo, o que é compatível com a noção de que o aumento de atenção focada por longos períodos de tempo pode amplificar alguns estados clínicos de dor, por exemplo. Provavelmente predisposição genética e experiência prévia possam ser fatores que aumentam a probabilidade do indivíduo ser hipervigilante.
Mas e a relação com a parafunção?
Bem, há alguns anos estudando a relação entre bruxismo e disfunção temporomandibular (DTM), me deparei com o termo hipervigilância oclusal em um artigo de revisão publicado na revista Journal Oral rehabilitation pela professora Ambra Michelotti e Iódice (leia este artigo aqui)
Explicando: a reação à uma mudança oclusal é diferente em cada pessoa. Indivíduos que são hipervigilantes à sua oclusão apresentam um aumento na atividade da musculatura mastigatória com qualquer estímulo, seja uma nova restauração, coroas, implantes dentários e até ortodontia, mesmo que estes não estejam provocando interferências. Se esta atividade muscular ultrapassar a tolerância fisiológica, o indivíduo pode apresentar sintomas de DTM.
Há uma ligação estreita entre hipervigilância oclusal e o início ou perpetuação do bruxismo em vigília. Mas leia bem, fatores oclusais não estão relacionados com bruxismo (veja mais sobre isso aqui), o problema não é como é a oclusão e sim o que o indivíduo faz com sua boca, ou seja, o aumento da contração muscular. Sob este prisma, podemos inferir que tratamentos oclusais não controlar e até mesmo podem desencadear o bruxismo em vigília.
Em um dos poucos estudos desenvolvidos na área, a professora Ambra Michelotti e colaboradores realizou uma pesquisa clínica para verificar a hipótese de que as interferências oclusais experimentais teriam efeitos diferentes, dependendo da freqüência pelo qual os indivíduos manifestam a parafunção oral. Os resultados indicaram que as interferências oclusais levaram a redução dos contatos dentários não funcionais, mais proeminente no grupo com baixa freqüência, o que indicou que houve um comportamento de evitar a interferência. Mas no grupo com alta freqüência, os participantes relataram mais desconforto oclusal, cefaleia e dor muscular, o que pode ser consequência deste comportamento de evitar a interferência, levando a manutenção de uma posição mandibular, ou seja, aumentando contração muscular. Os níveis de ansiedade neste grupo foram maiores, o que pode ser associado a hipervigilância, onde os indivíduos são mais cautelosos, atentos e não se distraíram do estímulo provocado pela interferência. Leia todo o trabalho aqui.
No Brasil fico feliz em participar do Grupo de Dor Orofacial da FOB-USP, onde a Naila Machado e o Caio Valle desenvolvem estudos sobre este assunto e em breve trarão mais novidades!
Entender sobre este aspecto é importante, por exemplo, para o prognóstico do pacientes ao auto-controle do bruxismo em vigília. Dependendo do grau de hipervigilância e ansiedade, o paciente pode não responder adequadamente ao tratamento proposto, o que torna necessário a referência a profissionais habilitados no controle da ansiedade, como psicólogos e psiquiatras.
Aproveitem que esta postagem está recheada de links para os artigos completos. Precisamos estudar mais os efeitos da ansiedade na Dor Orofacial, não?
Falando nisso…
Já que citei o Grupo de Dor Orofacial da FOB-USP, devo lembrá-los que todos nós participamos dos cursos de atualização e especialização em DTM e Dor Orofacial capitaneado pelo Prof. Paulo Conti em Bauru. O curso de especialização começa em Outubro de 2014 e o de Atualização em Fevereiro de 2015. Caso se interesse, entre no site www.ieobauru.com.br ou pelo telefone 14 – 32341919 com Vivian. 🙂
A gente sempre conta as novidades lá primeiro! 😉
14o. Congresso Internacional de Odontologia do Distrito Federal
A décima quarta edição do Congresso Internacional de Odontologia do Distrito Federal (CIODF) acontecerá em Brasília, entre 21 e 24 de março no Centro de Convenções Ulysses Guimarães.
A boa notícia é que no CIODF haverão palestras sobre Disfunção Temporomandibular (DTM) na sexta feira, dia 23 de março à tarde.
Como você viu acima, uma das palestras sou eu quem irá ministrar. O tema, controvérsias entre oclusão e DTM. Engraçado que hoje penso que não há mais controvérsias…
Quem for lá e disser que é leitor do Por Dentro da Dor Orofacial leva a aula em PDF para casa! rs…
Até lá!
Como os alemães tratam o bruxismo
Ok, você leu o título da postagem e já pensou que eles tratam o bruxismo com cerveja, pode assumir!
Mas a postagem de hoje é sobre um artigo que li ontem.
Uma pesquisa recente publicada no Journal of Prosthetic Dentistry teve como objetivo verificar a conduta de dentistas especialistas ou não com relação ao tratamento de bruxismo.
Para tanto os autores enviaram um questionário que englobava vários aspectos como número de pacientes atendidos, se os dentistas encaminhavam ou não os casos, se tratavam e se o fizessem como era este tratamento. Infelizmente o índice de resposta deste tipo de pesquisa se mostra baixo. Cerca de 10% dos dentistas que receberam o questionário responderam a pesquisa.
A motivação para esta pesquisa partiu, claro, da originalidade do tema, mas também pelo desenvolvimento dos estudos com relação ao bruxismo, o que, ao longo dos últimos anos, acrescentaram conhecimento com relação a uma patofisiologia mais central do que periférica (e isso já falei aqui no blog). E será que isso transformou a prática de alguma forma? E será que há diferença entre dentistas especialistas ou não?
Os resultados mostraram que (números aproximados) cerca de 15% dos pacientes que procuram tratamento recebem diagnóstico de bruxismo. Talvez pelo viés da formação os especialistas, na sua maioria ortodontistas, tenham citado a terapia ortodôntica como forma de tratamento mais frequentemente do que os generalistas (7,28% vs 0,65%). Mas em ambos os grupos a placa de mordida reinou como a terapia mais comumente aplicada a estes pacientes, seguida de técnicas de relaxamento, equilíbrio oclusal, fisioterapia e reconstrução oclusal. Em um ano os dentistas generalistas confeccionaram uma média de 27.5 placas enquanto os especialistas, 19.8 com a recomendação de uso noturno realizada pelos dois grupos.
Mas o que chamou minha atenção neste trabalho foi sobre a relação oclusão e bruxismo, que escrevi outro dia aqui. A seguinte afirmação foi colocada: “Interferências oclusais causam bruxismo”. Os dentistas deveriam concordar ou não com a frase.
Dos especialistas 85% não concordaram com a frase. Dos generalistas, 47,7%. Ainda, com incerteza, 28,6% dos generalistas adotaram uma postura neutra em relação à frase.
Os autores então compararam com estudos realizados há 20 anos nos EUA e verificaram que a rejeita à frase pelos dentistas generalistas cresceu 15%.
É, parece que algo está mudando...
Bem, então, inspirada pelo artigo, resolvi colocar aqui um questionário! Aproveite e deixe aqui sua opinião!!!
Oclusão X Bruxismo
Há algum tempo eu relatei aqui que em 2008 um número inteiro do Journal Oral Rehabilitation havia sido dedicado ao bruxismo.
Eu leio e releio sempre estes artigos e vou então fazer uma tradução livre de alguns trechos do artigo Physiology and pathology of sleep bruxism de Lavigne et al. que trata da relação oclusão X bruxismo, assunto ainda tão debatido…
Usar a interferência oclusal para explicar o bruxismo se tornou muito popular após a publicação de um estudo sugerindo que a oclusão poderia influenciar a atividade muscular, mas é importante notar que esta sugestão foi baseada em dados de eletromiografia gravados durante o dia…
… Há uma falta de evidência que justifique a utilização de terapias oclusais para o tratamento de bruxismo…
…Foi sugerido que o contato dental ocorra por aproximadamente 17,5 minutos durante 24 horas…
…A atividade muscular relacionada com o bruxismo do sono ocorre aproximadamente por 8 minutos durante todo o período de sono, que usualmente dura de 7 a 9 horas.
O fato de alguns pacientes relatarem alívio do que eles relatam ser um “desconforto dental”, dor, cefaleia após reabilitação oral e tratamento ortodôntico não é prova suficiente para justificar tratamento extensivo. Outros fatores como a relação paciente e dentista, a crença do paciente no tratamento mecânico intervencionista, o carisma do dentista e a melhora natural com a flutuação dos sinais e sintomas durante o longo e extensivo tratamento dental podem contribuir para o relato subjetivo da satisfação do paciente.
Ainda segundo o artigo, o debate permanece em aberto uma vez que faltam estudos com metodologia adequada.
Acho que pelo que conhecemos da fisiopatologia do bruxismo do sono (central e não periférica), o tratamento com ajuste da oclusão para esta condição não se sustentará… O que vc acha?
Evidências
Entre devaneios e feriado com a família, eu li alguma coisa sobre DTM e Dor Orofacial. Bem, eu passei os olhos mais do que li! rs…
Chamou minha atenção uma discussão que estava acontecendo no fórum do site www.dtmedor.com.br
A discussão era sobre um artigo de revisão de literatura que abordava a relação entre DTM e oclusão. Na verdade nem vou entrar no mérito do tema abordado (vou falar sobre isso no Congresso Internacional do Rio de Janeiro! Aguardem informações!), quero falar sobre leitura crítica. O grande problema deste artigo de revisão é exatamente a metodologia. Para ser mais clara, vire e mexe tentamos enfatizar a importância da Odontologia baseada em Evidências. Mas ainda há pessoas que confundem evidências com artigo publicado. Presenciei isso recentemente em uma palestra que assisti e confesso que fiquei chocada com a desinterpretação do que vem a ser evidência. É o que o amigo Marcelo Ugadin postou nos comentários: odontologia baseada em referência e não evidência!
Nesta história o que me chamou a atenção foi praticamente o uso de artigos que traziam apenas conclusões ou pensamentos que refletiam a opinião do autor. Este é o grande problema deste tipo de trabalho e que gerou uma carta a revista e a discussão no fórum.
A preferência sempre deve ser dada a trabalhos que revisem toda a literatura ou pelo menos a literatura recente, mesmo não sendo uma revisão sistemática com análise. Eu dei como exemplo no fórum uma revisão que publicamos sobre cefaleia e fibromialgia. Ali está claro como fizemos o levantamento dos dados, quais as palavras chave utilizadas e quantos artigos e onde foram encontrados sobre o tema.
É o mínimo…
Os trabalhos de revisão são ótimos para tomarmos conhecimento sobre um determinado assunto mas podem atrapalhar se buscarmos trabalhos que apenas reflitam uma opinião pessoal.
No livro Critical Thinking de Donald M. Brunette há um capítulo em que o autor relata exatamente esta situação. Lá ele coloca o exemplo dos casos clínicos publicados. É claro que a publicação de um caso ou série de casos sobre uma patologia é o primeiro passo para se iniciar os estudos sobre ela, mas as evidências sobre o tratamento aplicado são as de mais baixo nível, exatamente porque reflete a conduta do autor e existe, claro, a tendência de se publicar apenas os casos de sucesso.
Acho importante o exercício do pensamento crítico!
Enfim, ufa, pensamento exposto, recado dado! 🙂
P.S.: algumas pessoas estão me perguntando como acessar a discussão. Entrem no site http://www.dtmedor.com.br e façam seu cadastro para ter acesso (é gratuito). Depois é só clicar em fórum que todas as discussões poderão ser visualizadas.