O dentista abre a porta e na recepção está aquela paciente que ligou com dor.
Ela entra na sua sala e ele pede que ela sente na cadeira odontológica.
Secretária a postos, babador, guardanapo na mão,ele se acomoda em seu mocho, caneta e ficha na mão, começa… idade, 35 anos, histórico odontológico, histórico médico, “alergia a algum remédio?”, e por aí vai….
“Então onde dói?”
A paciente aponta a região das têmporas. Ele deita levemente a cadeira, se posiciona atrás e faz palpação na região temporal. A paciente grita de dor.
Ele coloca seus dedos na região da articulação temporomandibular, pede para paciente abrir e fechar a boca e percebe um clique.
Espelho, luz, ação. Dentes anteriores desgastados.
“Morde!” Oclusão classe I mas com desvio em linha média.
“Você range os dentes à noite?”
“Acho que não”
“Mas seus dentes estão desgastados, acho que isso acontece sim”.
Ele senta novamente a paciente.
“Olha, você tem uma disfunção da ATM, é preciso tratar caso contrário você irá travar sua boca, o queixo pode cair. Vou pedir uma transcraniana para ver melhor sua ATM também. Depois de tratar acho bom você fazer uma documentação porque pode ser necessário tratamento ortodôntico, já que você tem desvio na linha média”.
Moldagem para confeccionar placa de mordida, encerada, linda, com todos os toques necessários.
Orienta a paciente a fazer exercícios para alongar a musculatura, compressas quentes, massagem.
Duas semanas depois a paciente retorna pior. As crises de dor são tão intensas que ela chega a vomitar. Só melhora com a ida dela ao pronto socorro.
Ele ajusta a placa, prescreve um Tramal, relata que é normal piorar e depois melhorar, afinal ele já ouviu e leu que os sintomas de DTM tem caráter flutuante…
A paciente retorna depois de 2 semanas, as crises continuam, são de enlouquecer, ela faltou duas vezes no trabalho nesta semana. Quer o dinheiro de volta, ela alega que o tratamento só fez piorar.
E agora????? Onde foi que ele errou??? Fez tudo corretamente, tratamento não invasivo. Será que não dar atenção devida à oclusão foi tal mal assim?
ELE ERROU EM NÃO OUVIR SUA PACIENTE!
A história acima parece fantasiosa mas é mais do que verídica. Ela é recorrente no consultório do especialista em DTM e Dor Orofacial.
O dentista tem uma tendência a ser extremamente mecanicista. Ele não foi treinado para o diagnóstico da dor . Como este tema foi abordado na sua graduação? Garanto com muito menos ênfase do que o material resinoso mega blaster!
Vamos analisar a história em seus detalhes:
1. o dentista solicita que o paciente sente-se na cadeira odontológica: erro. Já foi comprovado que a cadeira aumenta o nível de estresse do paciente, imagine num paciente com dor. Ele pode ficar inibido em conversar, em contar o que está acontecendo.
2. As perguntas feitas pelo dentista: a parte principal do diagnóstico da dor é exatamente suas características que são praticamente ignoradas naquelas fichas de semiologia que se compra na dental. Não que estas perguntas não sejam importantes, mas deveriam ser abordadas depois que o dentista conversou com seu paciente sobre a sua queixa principal, a dor.
3. O dentista procura o local da dor: ótimo ele tem a localização precisa da dor. Mas que tipo de dor é, quanto tempo ela está presente, qual a intensidade, alguma coisa acompanha a dor, ela piora com o que, melhora com o que????
4. O dentista sente um clique na ATM: não vou entrar em detalhes aqui. Isso vale umpost. Mas só uma dúvida: este clique reproduz a dor da paciente? Ah, ele não sabe, ele não perguntou.
5. Os dentes estão desgastados: quando este desgaste aconteceu? ontem, 10 anos atrás? O desgaste dentário é uma cicatriz. Merece investigação bem como o bruxismo merece investigação (mais um tema para outro post).
6. O dentista solicita transcraniana: o que ele quer ver mesmo???
E a paciente piora, as crises aumentam….
A história seria outra se o dentista estivesse familiarizado no diagnóstico da dor e espero que este post ajude alguém a mudar a forma de atender seus pacientes. Isso é válido para qualquer dor, mesmo as odontogênicas como pulpites, periodontites. UMA COISA PODE PARECER OUTRA COISA!
Bem, como abordar então. Primeiro sentar-se em frente ao paciente, num local tranquilo, onde você possa visualizar toda a expressão desta paciente e iniciar o diálogo perguntando sobre a(s) queixa(s) da paciente, detalhando-a.
Seja um detetive, busque todas as pistas para o diagnóstico!

Início da dor: horas, dias, meses, anos
Duração de uma crise de dor
Frequencia da dor: anual, mensal, semanal (quantos dias?), diária? Quantos dias de dor no mês?
Localização: peça para o paciente apontar a(s) região(ões) dolorida(s)
Qualidade: na minha opinião pista fundamental! Sugira algumas palavras: pulsa, aperta, pressiona, pesa, arde, queima, como choques elétricos, pontadas, agulhadas, facadas?
Intensidade: use as escalas de dor! Inclusive para avaliar o seu tratamento.
O que piora ou desencadeia a dor? O que melhora a dor?
Horário de pico da dor? Existe algum?
Outros sinais e sintomas relacionados
A paciente da história tinha migrânea sem aura, mais conhecida como enxaqueca. Não precisava de tratamento para DTM, nem de correção ortodôntica.
Como sei?
A dor teve início há 5 anos. Antes a frequencia era mensal, às vezes pulava um mês, sempre piorando na menstruação, sempre do mesmo lado. Hoje a ocorrência é semanal, durando 2 dias cada crise. A dor começa fraca, em peso mas logo fica pulsátil e forte (9 a escala de 0 a 10). As crises costumavam melhorar com analgésico simples mas hoje precisa ir ao PA. Sem horário preferencial, a dor é acompanhada de náusea, já chegou até mesmo vomitar, fotofobia e fonofobia.
Conhecer condições que cursam com dor no mesmo local que a DTM é importante! Já leu sobre arterite temporal?
Ok, e a dor na palpação do músculo temporal. Hiperalgesia ou alodínia? Bem, isso é assunto para outro dia…
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