Placebo, nocebo e a relação entre profissional e paciente

Um dos workshops que mais gostei no congresso da IASP foi um sobre placebo e nocebo (Placebo Analgesia and Nocebo Hyperalgesia: From Bench to Bed). A sala estava lotadíssima! Eu assisti às palestras em pé.

 

Não me admira o interesse dos profissionais da saúde neste assunto. Hoje sabemos que nenhuma terapia voltada para a dor é 100% eficaz. Se podemos contar com os efeitos benéficos do placebo, por que não conhecê-lo? Se podemos evitar os efeitos nocebo, por que não fazê-lo?

Já escrevi algumas vezes no blog sobre placebo e nocebo, crenças dos pacientes e a relação profissional e paciente. E estava pensando mais uma vez nestes assuntos e no que vi nas aulas durante o Congresso Mundial de Dor em Milão, quando me deparei com um texto publicado no jornal Folha de São Paulo de autoria do médico e mestre em filosofia Luiz Roberto Londres. Este texto foi indicado pelo amigo José Luiz Peixoto Filho na comunidade de DTM e Dor Orofacial do Facebook. Estranhei os poucos “curti”e comentários. Acho que este assunto, bem como a questão da solicitação indevida de exames complementares, citada também na mesma postagem, são atuais e deveriam ser assuntos debatidos não só pela classe médica, mas por todos profissionais da saúde!

Mas por que linkei um assunto (placebo, nocebo) a outro (texto publicado na Folha)?

Bem, primeiro convido a todos para ler o texto:

Tendências/Debates: Médicos que não querem conversa

LUIZ ROBERTO LONDRES

Durante minha formação, tive o privilégio de conviver com Danilo Perestrello, autor de “A Medicina da Pessoa” (Atheneu). Vinham ao consultório não só pessoas doentes, mas pessoas que se sentiam doentes.

Um dia, em conversa com meu pai, cardiologista cujos passos segui, comentei que metade dos meus atendimentos eram de pessoas sem doença física. Ele retrucou: “Só metade? Você deve estar adoecendo alguns”.

Em inúmeros casos, a simples conversa resolvia a “doença”. Muitos saíam da consulta sem solicitação de exames ou receitas. Em nova consulta, estavam totalmente “curados”.

Na medicina atual, aos poucos a pessoa foi reduzida à condição de doente. Não mais interessava sua vida, história, personalidade ou situação psicológica e social, apenas os sintomas no momento da consulta. A anamnese, entrevista inicial com o paciente, passou a se limitar aos dados da doença apresentada. A alteração biológica passa a ser tudo.

Na medicina atual, não se leva em conta características específicas de cada paciente, que podem determinar se o tratamento indicado deve ser administrado. Um exemplo gritante é aplicação de cirurgias ou tratamentos agressivos, tantas vezes extremamente dispendiosos, a idosos que provavelmente faleceriam de outras causas antes que a doença em questão levasse ao óbito.

Médicos se sentem oprimidos em relação ao tempo que podem dispensar a uma consulta e perderam o espírito crítico em relação ao valor da anamnese –que, segundo Howard Barrows, da Universidade de Southern Illinois, dá ao bom médico 90% de chance de diagnóstico certo.

Deixamos de lado os princípios médicos para atender volume. Recém-formado, fui colocado em um ambulatório com uma lista de 40 pacientes para serem atendidos em quatro horas. Atendi como deveria e, ao final do meu tempo, havia atendido por volta de 15. No dia seguinte, fui chamado à diretoria do hospital, que questionava minha conduta. Médicos não têm de atender filas, têm de atender pacientes.

Na nossa época de estudantes, aprendíamos que exames serviam para confirmar ou não o diagnóstico e quantificar alguns parâmetros. Hoje, isso foi esquecido. Além disso, médicos se fiam em laudos de colegas que não conhecem, sem avaliar o grau de sua capacidade médica.

Com esse reducionismo, o médico é cada vez mais dispensável, podendo ser substituído por computadores.

Fonte: Folha de São Paulo: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/1150563-tendenciasdebates-medicos-que-nao-querem-conversa.shtml

Durante uma das aulas do workshop a palestrante, ao falar do efeito Nocebo, erlatou que nos Estados Unidos 50% dos pacientes saem de uma consulta médica sem compreender adequadamente o que o profissional lhe falou. Isso influi drasticamente no tratamento a ser realizado neste paciente. Parece tão óbvio e absurdo mas vejo isso se repetir várias vezes na especialidade de DTM e Dor Orofacial. Quando atendo pacientes refratários, que me relatam procurar meu atendimento por ter “ATM” e já terem sido submetidos a outros tratamentos, a primeira coisa que faço é perguntar se ele sabe o que é ATM e o que é DTM, se sabe o seu diagnóstico (qual tipo de DTM) e se sabe porque foram realizados os procedimentos no qual foi submetido anteriormente (sejam eles qual forem). A resposta muitas vezes é um ponto de interrogação!

Explicar ao paciente tudo nos mínimos detalhes (claro em linguagem compreensível) leva tempo mas triplica a chance de sucesso do procedimento!

E isso já foi testado!

Na mesma palestra um experimento simples demostrou a necessidade do conhecimento por parte do paciente da terapia que lhe é sugerida. O efeito placebo é representado experimentalmente pela diferença entre o efeito analgésico de uma terapia antes e após procedimentos denominados open (com expectativa e demonstrado) e hidden (sem expectativa, oculto). No uso de antinflamatórios, mostrar a medicação que está sendo aplicada no paciente praticamente dobra o efeito analgésico! Interessante também relatar o estudo com pacientes com a Doença de Alzheimer onde o comprometimento de áreas cerebrais com papel importante na cognição influencia diretamente no resultado das terapias analgésicas.

Isso se aplica a todas as terapias voltadas para a dor, em todas as áreas.

Assim, converse com o seu paciente, explique exatamente o que, por que e como!

Termino com os dizeres de um dos slides apresentados:

4 dicas retiradas do artigo: Nocebo effects, patient-clinician communication, and therapeutic outcomes de Colloca e Finnissis publicado em fevereiro no jornal JAMA (para ler o texto completo, clique aqui):

1. Reformule como você divulgará o procedimento

2. Eduque tanto pacientes como clínicos sobre o detrimento do efeito nocebo

3. Dedique tempo adequado para conhecer as expectativas e perspectivas do paciente

4. Faça uma adequação na forma de explicar às necessidades do paciente

Não percam o próximo congresso da IASP! Será em 2014 e em Buenos Aires.

Eu e o poster (se não é ele não dava para ir a Milão, rs…)

 

 

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6 pensamentos sobre “Placebo, nocebo e a relação entre profissional e paciente

  1. Parabens! Prof. Juliana. Voce tem realizado um grande trabalho para a área de dor. Sua contribuição é magnífica.

  2. Pingback: OdontofoGUIA! #69 | Medo de Dentista

  3. Interessante como eu li todo o artigo pensando ter sido escrito por um homem e no final, a foto me surpreendeu. Não que faça diferença, mas achei interessante.
    Sorte na sua trajetória.

  4. Ju, perfeito como sempre!Frequentemente também recebo pacientes oriundos de outros colegas e já na primeira consulta, que valorizo muuuuuito a informação , usando todos os meios e métodos possíveis.Vários relatam a diferença no atendimento, que finalmente começaram a entender o seu problema.Quase todos relatam que o tratamento era baseado nos ajustes da tal “plaquinha” (nem essa confeccionada adequadamente) e que depois de alguns meses , começavam a questionar e abandonar o tratamento, criando uma dificuldade adicional para nós, porque obviamente a desconfiança na especialidade tende a aumentar. Não faço nada de diferente a não ser ouvi-lo atentamente e fazê-lo crer que na sua frente há um profissional totalmente disponível para ajudá-lo.Procuro usar
    responsavelmente todas as benécies do efeito placebo, ele existe, é real!
    Meu filho mais velho está se preparando para o vestibular de medicina e vou pedir para que ele leia desde já , o artigo do Dr Luiz Roberto , para que futuramente os seus pacientes possam se beneficiar de mais um profissional cidadão pleno , tornando-se um exemplo a ser seguido por mais e mais profissionais para quem sabe ,mudar tendências.
    É utopia?Que seja então!
    Abraços, Rosan Abrantes

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