Ei doutor, silicone ou acrílico?

Por que tantos dentistas ainda prescrevem plaquinhas de silicone aos seus pacientes que apresentam bruxismo do sono?
Esta é a pergunta que martela a minha mente.
Eu não sei ainda a resposta certa.
Esta situação não é exclusividade nacional. Um estudo publicado em 2012 na Suécia perguntou aos dentistas qual tipo de placa os mesmos utilizavam para tratamento de DTM. Menos da metade utilizada placas de acrílico. Qual seria o motivo disso?

 

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Existem alguns fatos e mitos sobre placas que podem nos ajudar a entender

  1. A placa de silicone é mais fácil de confeccionar. FATO. Basta uma plastificadora, uma placa, um modelo e uma tesoura. Pronto! Já o dispositivo interoclusal liso de acrílico rígido (entendedores entenderão) exige enceramento e acrilização, até do registro bem feito, passos que demandam mais tempo e cuidado.
  2. A placa de acrílico é desconfortável.  MITO. Eu tenho a teoria que o protético te ensinou isso quando você ligou ao laboratório e ele te perguntou: de acrílico ou silicone (quando não, dura ou mole… rs). E ele te diz que a de silicone é mais confortável. Ou a vizinha disse isso ao paciente. Mas de fato, é mesmo? Não há um estudo sequer que relate isso. Então, vou usar da minha experiência para dizer a você leitor, NÃO. A placa de acrílico bem confeccionada e ajustada é sim confortável. Alguns pacientes relatam dificuldade inicial de uso, mas isso acontece com qualquer dispositivo e é preciso insistência. Também é possível trocar o arco. Além disso, há estudos que mostram melhora na qualidade do sono com o uso da placa de acrílico como este aqui.
  3. Placa de silicone é miorrelaxante. MITO. Nenhum dispositivo interoclusal é miorrelaxante. Não há estudos com a placa de silicone a longo prazo que indique que ela seria uma exceção. Há um estudo bem antigo do Prof. Okeson, em 1987 que indicou que entre 10 pacientes que iniciaram terapia com placa de silicone, 5 apresentaram aumento em atividade muscular e apenas 1 reduziu, quando a placa de acrílico mostrou redução de atividade em 8 dos 10 pacientes. Mas eu sinceramente acredito que este estudo não mostra o que realmente acontece. Sabemos que qualquer dispositivo (seja com cobertura oclusal, parcial ou nenhuma cobertura) a curto prazo pode reduzir mais frequentemente a atividade muscular (observada por eletromiografia de músculos mastigatórios durante o sono). Mas este efeito acontece a curto prazo (cerca de 1 a 2 semanas) e depois os valores voltam às médias basais. Além disso, não acontece em todos os pacientes. Há aqueles pacientes em que a introdução de um dispositivo, ao contrário do que se pensa, aumenta o número de eventos (veja este estudo aqui).
  4. A placa de silicone protege os dentes. MITO.   Não há nenhum estudo que comprove ou negue isso. Mas darei um depoimento meu como profissional que acompanha estes casos há anos, ou seja, nível de evidência científica ZERO. A placa de silicone não é resiliente. Com o uso ela deforma e se mostra friável. Com a pressão, chega a entrar em atrito com os dentes. Imagine isso em um ambiente de menor salivação. O que acontece com os dentes? Como eu já alertei, sem nenhuma evidência concreta, mas por observações, já vi placa de silicone marcar dentes de pacientes, ser desconfortável ao tocar a gengiva (ok, você pode cortar com uma tesoura…) e até chegarem totalmente rasgadas e furadas.
  5. A placa de silicone é estabilizadora. MITO. Não é possível ajustar a placa de silicone. Muitas vezes os toques são realizados apenas em alguns dentes. Ao contrário, na placa de acrílico, podemos realizar ajustes necessários ao longo do tempo para que possa ser um dispositivo utilizável a longo prazo. Ainda, pode-se acompanhar a atividade dos músculos mastigatórios pelas marcas eventuais que os dentes deixam no acrílico.
Por tudo acima e mais o fato de que não há um estudo sequer que indique esta terapia como superior ou, pelo menos, igual a terapia com placa de acrílico, acho estranha a indicação de uma plaquinha (“inha” mesmo) de silicone para bruxismo do sono a longo prazo.
E você? O que acha? Por que mesmo indica a placa de silicone?
Falando nisso…
Quer ver todas as referências que cito acima  e mais algumas? Venha participar do Dia do Bruxismo!
As inscrições estão abertas para:
– Belo Horizonte – 07/10/2017
– Florianópolis – 11/11/2017
– Aracaju – 02/12/2017
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#ficaadica
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Reposicionar a mandíbula: artigo recente na literatura

Faz mais de uma semana que tento ler o recém artigo publicado pelos autores Charles Greene e Ales Obrez na revista Triple O:
O assunto deste artigo de revisão é discutido há muitos anos e volta e meia volta a ser discutido: a validade do reposicionamento mandibular como terapia preventiva ou abordagem terapêutica em pacientes com DTM. O artigo é longo e vou tentar abordar em algumas postagens aqui no blog.
Segue o resumo do artigo:
In this paper, the authors review the rationale and history of mandibular repositioning procedures in relation to temporomandibular disorders (TMDs) as these procedures have evolved over time. A large body of clinical research evidence shows that most TMDs can and should be managed with conservative treatment protocols that do not include any mandibular repositioning procedures. Although this provides a strong clinical argument for avoiding such procedures, very few reports have discussed the biologic reasons for either accepting or rejecting them. This scientific information could provide a basis for determining whether mandibular repositioning procedures can be defended as being medically necessary. This position paper introduces the biologic concept of homeostasis as it applies to this topic. The continuing adaptability of teeth, muscles, and temporomandibular joints throughout life is described in terms of homeostasis, which leads to the conclusion that each person’s current temporomandibular joint position is biologically “correct.” Therefore, that position does not need to be changed as part of a TMD treatment protocol. This means that irreversible TMD treatment procedures, such as equilibration, orthodontics, full-mouth reconstruction, and orthognathic surgery, cannot be defended as being medically necessary.
Hoje destaco dois trechos:
O primeiro é do  início do texto quando  os autores relataram que ao estudar qualquer procedimento  deveríamos pensar no que eles chamaram em ingles de “medical necessity” e que tomarei a liberdade de traduzir como necessidade biológica. Este conceito implica que um procedimento clínico deveria ser indicado e realizado pelos seguintes motivos:
  1.  A condição (por exemplo, má posição mandibular) é usualmente reconhecida como um problema de saúde ou doença
  2. Testes diagnósticos utilizados para examinar quando o paciente tem esta condição são válidos e com sensibilidade e especificidade aceitáveis
  3. A condição do paciente pode piorar se um procedimento especifico não é realizado
  4. O procedimento clínico tem especificidade para atender ao problema particular do paciente
  5. O procedimento é clinicamente eficaz de acordo com os critérios de evidência (isto é, não somente efeito placebo)
  6. A doença ou condição não poderia ser resolvida realizando um procedimento menos invasivo, o que justifica a procedimento clínico baseado em sua taxa de risco e benefício.
Achei bacana a reflexão sobre estes itens. Acho que podemos usar quando discutirmos as mais variadas técnicas.
O segundo trecho diz respeito à dispositivos interoclusais. Quinta feira estarei em Bauru, no IEO,  e neste módulo uma das discussões com o pessoal da especialização será sobre dispositivos interoclusais. Assim destaco agora o trecho em que os autores relatam que na literatura, ao longo dos anos, o relato de melhora de sinais e sintomas de DTM com o uso de aparelhos interoclusais é comum.
Foto do Instagram! Siga: @dtmdororofacial

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Muitos estudos mostram que a placa estabilizadora tradicional pode ser utilizada com sucesso em uma abordagem conservadora e que não envolve reposicionamento mandibular permanente. Interessante que em estudos comparando as placas estabilizadoras a placas reposicionadoras (com a proposta de recapturar um disco deslocado), os resultados são bem favoráveis ao uso das placas estabilizadoras, mesmo que elas não recapturem discos.
Entretanto, os autores destacaram dois cenários clínicos onde alguns pacientes se beneficiariam do uso de aparelhos que poderiam reposicionar provisioriamente a mandíbula para anterior: dor articular aguda e deslocamento do disco com redução e travamento intermitente.
Segundo os autores, na dor aguda (ocasionada por evento intrínseco como abertura bucal prolongada por longas sessões no dentista, incubações ou subluxação da mandíbula)  o uso deveria ser junto com uma combinação de terapias (medicamentos, bolsa de gelo, repouso) por 24 horas até que o processo inflamatório se solucionasse, revertendo o aparelho a uma placa lisa estabilizadora para uso noturno somente.
No segundo caso, os pacientes usariam a placa para uso durante o sono, não com o objetivo de recapturar o disco mas para permitir a mudança e remodelação do disco e tecidos retrodiscais, melhorando a dinâmica da ATM e evitando as situações dolorosas.
Os autores destacam que em ambos os casos não há a intenção de provocar uma mudança permanentemente na posição mandibular (para isso orientam o cuidado máximo para evitar o sobre uso do dispositivo) e que o objetivo final deve ser permitir que a ATM retorne à posição original determinada pela máxima oclusão habitual do paciente.
O artigo aborda ainda aspectos interessantes como um trecho dedicado a homeostase do complexo craniofacial, mas sobre isso vou escrever outro dia!
Se puderem, dêem uma olhada nas referências utilizadas por eles! Tentei colocar aqui mas não consegui! 😦
Falando nisso…
 
Lendo o artigo me lembrei da aula sobre placas oclusais do Prof. Paulo Conti (Dispositivos intraorais e DTM: evidência aplicada a prática clínica) que gosto muito! Este ano ele irá a ministrá em curso durante o Congresso da AILDC que será realizado em Lima no Peru!
Vejam abaixo!
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Odontologia “metafísica”

Hoje no blog o texto não é meu! Pedi ao meu querido amigo Yuri Martins Costa para que escrevesse um pouquinho sobre um dos artigos gerados de sua pesquisa de mestrado, que tem como co-autores André Porporatti, eu, Prof. Leonardo Bonjardim e Prof. Paulo Conti.

O Yuri, para quem ainda não conhece, é meu colega no doutorado em Ciências Odontológicas da Faculdade de Odontologia de Bauru – USP, orientado também pelo Prof. Paulo Conti. Fazemos parte do Bauru Orofacial Pain Group!

Atualmente o Yuri está passando uma temporada na Dinamarca , na Universidade de Aarhus,  em um dos maiores laboratórios de Dor Orofacial e Função Mastigatória, coordenado pelo Prof. Peter Svensson e com participação da professora Lene Baad-Hansen.

Yuri, muito obrigada pelo texto, ensinamentos e  parceria de sempre! 🙂

Segue o texto! Boa leitura!

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Prof. Yuri Martins Costa

Uma das principais razões do meu entusiasmo pela área da Dor Orofacial é que a conduta clínica nessa especialidade se difere substancialmente das áreas mais tradicionais da Odontologia. E uma das diferenças que me chama bastante atenção é o fato de que quando lidamos com pacientes com dor crônica, raramente tratamos “apenas” sinas e sintomas físicos. A própria natureza do problema nos força a ir além do que podemos objetivamente medir ou perceber de imediato. Nesse contexto, nosso artigo recém publicado na Archives of Oral Biology procurou pesquisar um pouco mais sobre essa questão e apresenta dados que evidenciam um efeito positivo importante de terapias comumente utilizadas para tratar a dor miofascial mastigatória em variáveis que a priori não fazem parte do alvo primário dessas terapias: ansiedade, depressão e catastrofização. Apesar de parecer óbvio que terapias focadas no controle da dor também tenham “efeitos colaterais” em outros aspectos que estão intimamente relacionados, como os citados acima, ainda faltavam evidências dentro da nossa área para legitimar essa hipótese, principalmente em relação ao uso das placas oclusais. E esse foi o grande objetivo de nosso estudo: medir e comparar o efeito adicional do uso da placa oclusal na melhora de variáveis psicológicas em pacientes com queixa principal de dor miofascial mastigatória.

O desenho do estudo foi o mais rigoroso possível para pesquisas que envolvem terapias: ensaio clínico randomizado. Um grupo recebeu tratamento que envolveu apenas orientações sobre a doença e para mudança de hábitos enquanto que o segundo grupo foi tratado com essas mesmas orientações mais o uso de placa oclusal estabilizadora. Os resultados mais interessantes foram que ambas as terapias amenizaram o grau de catastrofização dos pacientes depois de 5 meses, embora um efeito positivo foi obtido já no 2o mês de tratamento para o grupo tratado com placa oclusal. Além disso, apenas esse grupo (orientações + placa oclusal) teve uma redução significativa nos sintomas de ansiedade e depressão após 5 meses.

Segundo nossa opinião, os destaques de nosso trabalho são que as terapias minimamente invasivas usadas para tratar a dor miofascial mastigatória parecem ser efetivas para a melhora de variáveis psicológicas e que a placa oclusal pode oferecer um efeito adicional que consiste principalmente em acelerar o aparecimento desses efeitos benéficos. Com isso, a mensagem que gostaríamos de deixar é que cresce constantemente a quantidade de evidências que apontam para efeitos terapêuticos das placas oclusais que vão além da correção ou melhora dos aspectos mecânicos de arranjo oclusal/equilíbrio muscular e envolvem, pelo menos indiretamente, características psicológicas e comportamentais e, por isso, sendo um pouco amplo na definição e com certa dose de exagero proposital, podem ser considerados “efeitos metafísicos”. Obviamente esse assunto precisa ser discutido de uma forma muito mais profunda e, justamente por esse motivo, convido a todos que se interessam pelo tema para fazer o download gratuito do artigo (apenas até o dia 29 de Abril de 2015), lerem, criticarem, debaterem e construírem suas próprias conclusões.

Link para o artigo: http://goo.gl/OKNMwT