Pacientes refratários

Há uma semana estive na Semana Acadêmica Odontológica (SAOJEM) da UFPR em Curitiba falando sobre Bruxismo (obrigada pelo convite pessoal, foi ótimo!) pela manhã e à tarde conversei com os alunos do curso de Especialização em DTM e Dor Orofacial da UFPR (coordenado pelos professores Paulo Cunali e Daniel Bonotto – também foi ótimo pessoal!). O tema desta conversa foi: pacientes refratários.

E preparando o material para levar a Curitiba, eu me lembrei que sempre quis escrever aqui sobre isso. Ainda mais porque um tipo de frase me incomoda muito:

“fulano disse que fez este tratamento porque era a última esperança para sicrana já que ela não responde a nada”

Mas vamos raciocinar, antes de escolher uma técnica alternativa a este paciente, vamos entender: quem é o paciente refratário ao tratamento antes proposto?

Refletindo sobre este assunto, eu me lembrei que há muito tempo havia lido um artigo publicado em 2003 na Neurology com o título: “Why headache treatment fails”. O artigo foi escrito por pesquisadores conhecidos na área da cefaliatria: Lipton, Silberstein, Bigal, Saper, Goadsby.

Reli o artigo e adaptei os 5 quesitos citados por eles à dor orofacial e é sobre os itens deste artigo que escreverei hoje!

 1. O diagnóstico está incompleto ou equivocado

Este é o primeiro e fundamental passo a ser revisto e talvez o que mais acontece. Se o paciente não responde de maneira típica (claro que uns demoram mais do que outros a responderem ao tratamento), reveja seu diagnóstico.

Os autores no texto ressaltam que uma condição pode não ter sido diagnosticada ou ainda confundida com outra com manifestação semelhante. Por exemplo, no caso de Disfunção Temporomandibular (DTM) como os sintomas são muitas vezes flutuantes e são vários tipos de DTM, um tipo pode ficar sem diagnóstico em um primeiro momento.

Também pode acontecer do paciente apresentar outras condições como a neuralgia do auriculotemporal, que pela proximidade anatômica pode ser confundida. Já atendi pacientes que previamente receberam diagnóstico de DTM, foram submetidos a terapias sem respostas, quando na verdade apresentavam, por exemplo, cisto retrofaríngeo, carcinoma espinocelular, hemicrania paroxística, etc. Até necrose pulpar! 

Então, antes de propor qualquer terapia, pare, respire e revise. Repita toda anamnese, o exame físico e solicite exames complementares que achar adequado.

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2. Fatores contribuintes podem não ter recebido atenção

Conduzir uma boa anamnese, com destaque a pontos chave de sua investigação é essencial para identificar fatores que podem perpetuar ou exacerbar crises de dor. Mas muitas vezes ou, por uma falha na ficha clínica, não se pergunta ou o paciente não relata espontaneamente estes fatores.

Os autores no texto destacaram que o uso excessivo de medicação analgésica é um dos vilões para a cronificação da cefaleia. Ainda não há estudos indicando, mas percebe-se que provavelmente o mesmo aconteça com as dores musculoesqueléticas. Pergunte não só quais medicamentos seu paciente faz uso mas também quantos o faz por mês. Não é incomum na clínica de dor orofacial o paciente relatar que faz uso destes medicamentos pelo menos uma vez por dia, totalizando um mínimo de 30 comprimidos/mês, bem a mais do que é aceito pela Classificação Internacional das Cefaleias. Neste mesmo pensamento, o uso abusivo de cafeína também se destaca com relação à cefaleia.

Leve em consideração também o estilo de vida do paciente. Recentemente uma pesquisa realizada pela Paula Jordani e equipe da Faculdade de Odontologia de Araraquara – UNESP mostrou que obesidade está associada a presença de DTM dolorosa. A obesidade é uma doença crônica e extremamente prevalente. Não hesite em encaminhar seu paciente para acompanhamento nutricional.

Fatores emocionais e sociais influenciam também no prognóstico do tratamento. Como é a vida familiar e social do seu paciente? Ele está passando por momentos de estresse?

Considere encaminhar para avaliação com profissional habilitado.

Ele recebeu alguma informação equivocada? Sim, cuidado com a forma com que você explica a situação ao paciente. NUNCA diga que ele vai ficar sem abrir a boca ou que seu queixo vai cair. O paciente acredita em você, não se esqueça.  Coleciono histórias de pacientes que receberam esta informação e chegaram até mim passando por situações como ficar 6 meses sem abrir direito a boca ou até passando dias sem falar para que “seu queixo não caisse”. E pasmem, óbvio que não apresentavam quadro compatível com luxação. Apenas receberam esta informação e não seguiram corretamente as instruções do tratamento anterior por medo. O tal nocebo…

Outros fatores que não podemos esquecer são os relacionados ao sono! O estudo OPPERA mostrou que a presença de Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) está relacionada a ocorrência de DTM. Insônia é uma das condições que mais prejudicam a modulação de dor, o que pode fazer com que os pacientes com DTM, por exemplo, apresentem baixo limiar de dor até mesmo em regiões distantes da face. Não deixe de avaliar a qualidade do sono de seu paciente.

3. Farmacoterapia não adequada

Os autores pontuam que farmacoterapia não adequada pode acontecer se tratamentos inapropriados são selecionados, se uma dose inicial excessiva é utilizada (atenção aos efeitos colaterais), se a dose de tratamento é inadequada, se a duração do tratamento é muito curta, se politerapia é preciso e não foi observado, se o paciente não absorve a medicação e ainda, se o paciente não é colaborador.

Revise as medicações utilizadas (vale lembrar, veja se o seu paciente não faz uso de alguma medicação que não relatou ou mesmo se não abusa de analgésicos). Baseado não em protocolos mas na neurofisiologia da dor crônica, determine a dose e duração do tratamento medicamentoso que será adotado. Apesar da monoterapia ser recomendável, politerapia pode ser necessária. Assim, não se esqueça de revisar as interações medicamentosas, presença condições comórbidas e efeitos colaterais possíveis.

E muito importante: explique direitinho ao seu paciente como o medicamento irá ajudá-lo, quais possíveis efeitos colaterais (destacando que nem todos os pacientes apresentam efeitos colaterais), a segurança do uso do medicamento, que não é para sempre (diga o período previsto) e especialmente: que não existe medicamento forte, e sim medicamento adequado. Não sei se sou só eu mas acho incrível o preconceito que muitos, inclusive profissionais da saúde, tem com fármacos, o que faz o paciente muitas vezes não colaborar com o tratamento. Em algumas condições de dor orofacial, especialmente nas dores neuropáticas, o tratamento farmacológico é o apropriado.

4. Tratamento não farmacológico adequado

Pacientes podem precisar de fisioterapia e também mudar seus comportamentos muitas vezes.

No consultório odontológico orientamos muitas vezes a respeito de exercícios mandibulares, por exemplo. É comum a entrega de uma folha de papel com todos escritos. Mas destaco: faça o exercício junto ao seu paciente, verifique se ele entendeu as orientações e, super importante, nas consultas de retorno cheque tudo novamente. O seu paciente pode ter feito algo errado. Seja na instrução da termoterapia, seja na massagem, seja nos exercícios prescritos, etc.

Também, como colocarei abaixo, outras comorbidades musculoesqueléticas, como cervicalgias, podem contribuir para a refratariedade do paciente. Encaminhe sempre que necessário ao médico e fisioterapeuta para que medidas e orientações adequadas sejam conduzidas. O paciente pode perceber dor na face, mas a origem da dor pode ser no esternocleidomastoideo ou no trapézio (dor miofascial).

5. Outros fatores

É fundamental conhecer outros fatores que possam influenciar na percepção de dor do paciente. Já citei algumas no item 2.

É preciso conhecer as expectativas de seu paciente, se ele está ou não catastrófico ou hipervigilante (existem questionários para isso!).

Catastrofização é um dos fatores mais estudados hoje para se compreender a dor crônica e o que leva a sua perpetuação e, muito importante, qual o prognóstico da terapia adotada. Sugiro que estudem bastante estes fatores.

Além disso, as condições que podem ser comórbidas às condições de dores orofaciais também influenciam no resultado da terapia adotada, muito por compartilharem de passos neurofisiológicos e/ou serem afetadas pelo déficit de modulação de dor.

A presença de depressão e/ou transtornos relacionados a ansiedade sem tratamento adequado é um destes fatores.

Especialmente a DTM muscular pode coexistir em um mesmo paciente com outra condição do grupo das Síndromes Somáticas Funcionais. É importante conhecer quais as condições que participam deste grupo e que podem influenciar seu paciente. Fibromialgia, migrânea, cefaleia tipo tensional, dor lombar crônica, vulvodínia, síndrome da fadiga crônica e síndrome do intestino irritável são algumas destas condições. Nem sempre o paciente já comparece com o diagnóstico prévio destas condições, então cabe ao profissional conhecer os sinais e sintomas das mesmas e encaminhar para avaliação e terapia apropriada.

Lembre-se que DOR + DOR é = a muito mais DOR.

Para quem ficou curioso sobre o artigo, eu não consegui o PDF do mesmo, ele é um pouco antigo (2003 já é antigo, meu Deus!) mas está disponível clicando aqui.

(Queria escrever tantas outras coisas, mas acho que daria um livro! Tá aí um tema para livro não?)

Abraços a todos!!

Ah! Não deixem de me seguir no Periscope! Falei tudo isso e muito mais por lá semana passada! @dororofacial

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