Odontalgia não odontogênica: cefaleia primária

Um dos temas recorrentes em minhas palestras é Odontalgia não Odontogênica. Costumo falar sobre isso nos cursos de DTM e Dor Orofacial, Endodontia e agora também no de Implantodontia. É um tema que necessita de MUITA divulgação, uma vez que o diagnóstico incorreta é fonte certeira de iatrogenias.

Eu acho que nós dentistas não fomos capacitados para distinguir uma dor odontogênica de uma dor não odontogênica na graduação. Eu desconheço um curso que dê ênfase a isso. Aprendemos sim a fazer diagnósticos precisos entre pulpite, necrose pulpar, periodontites, etc. Afinal é esta nossa grande área de atuação. Mas e quando há um caso duvidoso? Ou quando a dor persiste mesmo após um tratamento endodôntico adequado?

Sobre este assunto já escrevi aqui citando os casos de neuralgia do trigêmeo, odontalgia atípica, migrânea facial e neuroma traumático. Hoje quero falar de outro tipo de cefaleia primária que pode ser fonte de dor em dentes.

Saiu na última edição do Journal Orofacial Pain um artigo com o título: Unnecessary Extractions in Patients with Hemicrania Continua: Case Reports and Implication for Dentistry.

Neste artigo os autores descrevem quatro casos de pacientes que apresentavam cefaleia e dor facial unilateral de moderada a forte intensidade contínua, com exacerbações. Neste período, onde a dor se tornava ainda mais intensa, sinais autonômicos podiam ser percebidos.

Este tipo de dor pode ser confundida com sinusites ou odontalgias, mas um detalhe é muito importante, em nenhum exame poderá haver alteração nestas estruturas.

Sei que a maioria de vocês pensou “eu não faria isso, não abriria um dente sem certeza”, claro que não. Mas na verdade não é isso o que acontece. Muitas vezes por inexperiência, outras por insistência do paciente (se eu não fizer meu colega do consultório ao lado vai fazer), o cirurgião dentista mesmo em dúvida faz algum procedimento. E issó não é exclusividade do Brasil, como mostram vários artigos na literatura. Acho que faz parte da filosofia mecanicista.

Mas voltando ao artigo, nos 4 casos ocorreram exodontias, endodontias, cirurgias em seio maxilar, prescrição de analgésicos e antinflamatórios e tudo isso sem melhora da queixa do paciente.

Conhecer a Classificação Internacional das Cefaleias não é pré requisito para exercer a Odontologia, mas uma coisa é essencial JAMAIS INICIE UM TRATAMENTO SEM DIAGNÓSTICO. Mesmo sem sinais e sintomas de odontalgia, extrações ocorreram e vão continuar ocorrendo se não divulgarmos isso.

Artigo completo para download.

Todos os casos deste artigo foram diagnosticados como hemicrania contínua, que é realmente um diagnóstico difícil mesmo para o mais experiente neurologista, por ser rara.

Segue abaixo os critérios de diagnóstico desta condição.

Hemicrania contínua

Critérios de diagnóstico

A. Cefaleia por > 3 meses, preenchendo critérios de B a D.

B. Todas as características seguintes:

  1. Dor unilateral sem mudança de lado
  2. diária e contínua, sem intervalos livres de dor
  3. intensidade moderada, porém com exacerbações para dor intensa

C. Pelo menos uma das características autonômicas seguintes, ocorrendo durante as exacerbações e  ipsilaterias à dor:

  1. hiperemia conjuntival e/ou lacrimejamento
  2. congestão nasal e/ou rinorreia
  3. ptose e/ou miose

D. Resposta completa a doses terapêuticas de indometacina

E. Não atribuída a outro transtorno.

Nunca atendi em meu consultório um caso de hemicrania contínua mas perdi as contas dos casos de migrânea e tive um caso de hemicrania paroxística tratada há meses como disfunção temporomandibular.

O que nos é estranho, estranho é.

#ficaadica!

No link um artiogo do Prof. Mario Peres, médico neurologista, sobre hemicrania contínua (em português): http://www.einstein.br/biblioteca/artigos/Suplemento/hemicrania%20continua.pdf

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Classificação Internacional das Cefaleias

Este post foi uma sugestão do colega Maurício Bernardes. Se preparem que é um longoooo post!

Eu cito muitas vezes a Classificação Internacional das Cefaleias (CIC) e como é algo tão familiar para mim, deixo de apresentar ou falar mais sobre isso. Eu sei que muitos não a conhecem ou não estão familiarizados.

Eu acredito que um tipo de classificação assim faz falta para nós que estudamos e trabalhamos com dor orofacial. Os neurologistas tem a vantagem de poder falar a mesma língua, em todo o planeta, quando adotaram a CIC, o que não acontece conosco. Só para DTM, quantas classificações você conhece? Posso citar, Bell, Academia Americana de Dor Orofacial, RDC/TMD…. fora as adotas por cada serviço ou autor. E aí que começa a dificuldade em realizar estudos com amostras homogêneas, trocar experiências sobre tratamentos, etc…

Mas vamos voltar a CIC. O que eu acho mais bacana nesta classificação é que ela não é imutável, pelo contrário, está em constante atualização. Hoje, está na sua segunda edição, publicada em 2004 na revista Cephalalgia. Esta edição já apresenta alguns adendos, publicados em outras edições da mesma revista, que buscam aprimorar os critérios de diagnóstico das condições que cursam com cefaleia.

Um deles foi a modificação dos critérios de diagnóstico para Migrânea Crônica.

A CIC é extensa. Inicia dividindo as condições em três grandes capítulos: cefaleias primárias; secundárias; e neuralgias cranianas, dor facial primária e central e outras cefaleias.

Cefaleia primária é definida como a dor que ocorre na cabeça sem relação temporal com outro transtorno que poderia ser reconhecido como causa de cefaleia. As cefaleias secundárias englobam vários tipos diferentes de cefaleia associadas a uma causa subjacente.

Dentre as cefaleias secundárias está a dor facial por DTM. Mas infelizmente sua descrição na CIC não é adequada.

Pelo que vocês podem perceber, a CIC só descreve a dor facial associada a uma DTM articular. Podemos tecer outras críticas como só poder classificar esta cefaleia se um transtorno da ATM for tratado de forma eficaz. Até então, o paciente teoricamente não receberia este diagnóstico.

Mas, e a DTM muscular. Bem, aí não há um item específico. Em algumas situações, uma dor localizada no temporal oriunda de pontos gatilhos miofasciais ,  pode ser classificada como cefaleia tipo tensional associada a dolorimento pericraniano, um subtipo de cefaleia primária! A fisiopatologia da cefaleia tipo tensional associada a presença de pontos gatilhos miofasciais tem sido estudada intensamente por um grupo de pesquisadores da Espanha, liderados pelo Prof. Fernando De-Las-Peñas. Ainda, a cefaleia por DTM muscular pode ser classificada no item 11.8 Cefaleia atribuída a outro distúrbio do crânio, pescoço, olhos, ouvidos, nariz, seios da face, dentes, boca ou outras estruturas faciais ou cervicais. Ou seja, nada muito específico.

Ano passado ouvi o Prof. Schiffman, em palestra realizada durante o Congresso do Comitê de Dor Orofacial da SBCe (atenção, informações sobre o congresso deste ano em www.sbcefaleia.com/gramado) que há um grupo já estudando para modificar e aprimorar estes itens da classificação para que seja possível critérios de diagnóstico mais sensíveis e confiáveis para DTM.

Outras condições de dor orofacial estão classificadas na CIC como, por exemplo, as dores dentárias (item 11.6), odontalgia atípica (item 13.18.4), síndrome da ardência bucal (item 13.18.5) e neuralgia do trigêmeo (item 13.1) entre outras.

Quem se interessa no assunto dor orofacial deve conhecer os critérios de diagnóstico da CIC e tê-la sempre por perto para consulta, seja para diagnóstico e tratamento, seja para realizar o diagnóstico diferencial entre as condições clínicas apresentadas pelo paciente e poder referir  este paciente ao médico com tranquilidade.

Sugiro que vocês acessem a classificação na íntegra:

Existem exemplares em português a venda. Veja pelo google!!

Enquanto escrevia este post, me lembrei de casos onde a cefaleia primária muda sua localização habitual e acomete a face ou mesmo dentes. Este diagnóstico é difícil de ser realizado e requer conhecimento destes critérios. Acho que já tenho mais um tema para um próximo post! 🙂

Discussões em DTM e Dor Orofacial

Uma das formas de se manter informado e discutir assuntos sobre DTM e Dor Orofacial é frequentar os fóruns de discussão.

Existem diversos na internet, mas muitos com discussões sem sentido, ou que tentam privilegiar um profissional em detrimento de outro (sim, isso é lamentável, mas acontece…).

Eu participo de alguns grupos e fóruns e vou compartilhar os links com vocês!

O primeiro e com maior número de membros é a comunidade DTM e Dor Orofacial no Orkut. O grupo foi criado pelo meu colega da especialização Ricardo Ferreira de Paula (que tem um blog ótimoooo sobre Odontologia e Finanças) que depois compartilhou a moderação da comunidade comigo, Paulo de Tarso e Reynaldo Martins Jr. Depois de algumas mudanças, saíram Ricardo e Reynaldo e hoje divide a moderação o Marcelo Cesa (@bruxismo). Eu confesso que enjoei um pouco da comunidade. Com o aumento do número de membros (hoje 2646) a qualidade das discussões caiu muito. Ainda assim, não a exclui por um triz porque tenho um valor afetivo por ela. Afinal, conheci muita gente bacana e hoje estas pessoas compartilham comigo suas experiências na especialidade. Vale a pena olhar o histórico do fórum e ver como era antes… http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=219038

A segunda dica é um grupo de discussões por email no Google groups, o DTM e Dor Orofacial, também moderado pelo Marcelo Cesa (eu costumo dizer que ele mora dentro do computador). A lista tem hoje 359 membros, sendo que vários professores da área estão ali. Você pode optar por receber emails diretamente na sua caixa postal ou visualizar o grupo na página do Google groups.

O link para se cadastrar é: http://dtmedororofacial.blogspot.com/

A terceira dica é o fórum do site do Prof. Reynaldo Leite Martins Jr. O fórum traz discussões importantes como a do estudo OPPERA (sobre fatores de risco para DTM,  OPPERA é  sigla para “Orofacial Pain: Prospective Evaluation and Risk Assessment”  ou traduzindo “Dor Orofacial: avaliação prospectiva e estimação de risco”). O site ainda conta com grupos (um inclusive sobre RDC/TMD), artigos recentes gratuitos para download e muita informação sobre DTM e Dor Orofacial. O link: http://rlmjdtm.ning.com/

E por fim, existe um fórum hoje no site da Sociedade Brasileira de Cefaleias direcionado aos profissionais da saúde interessados em discutir assuntos ligados a cefaleia e algias craniofaciais. O fórum segue algumas condições e diretrizes e é moderado pela Dr. Fabíola Dach e pelo Prof. Dr. José Geraldo Speciali.

Sobre a SBCe, dois lembretes: primeiro, você, profissional da saúde interessado em Dor Orofacial pode participar do Comitê de Dor Orofacial da SBCe; e segundo, em outubro, de 07 a 09, haverá o XXIV Congresso Brasileiro de Cefaleia em Gramado, juntamente com o V Congresso do Comitê de Dor Orofacial, uma ótima oportunidade de se atualizar no tema. As inscrições para apresentação de trabalhos já estão abertas! Saiba mais aqui: http://www.sbcefaleia.com/envio-trabalhos

Para participar da SBCe entre em contato com a secretaria: http://www.sbcefaleia.com/secretaria

Fique por dentro da dor orofacial! 🙂

Artigos free na revista Headache!

No começo do mês recebi um email da revista Headache com alguns artigos selecionados por seu editor, para download gratuito!!

Os artigos selecionados e os links para download:

Ainda não li nenhum confesso! (Os artigos sobre o RDC/TMD estão na fila) mas vindo de quem vem, deve ser mais do que interessante!

Boa leitura!!