2018 – Ano Mundial para Excelência da Educação em Dor

Na última semana a IASP (International Association for Study of Pain) lançou o tema da campanha mundial deste ano: Excelência da Educação em Dor.

Confesso que fiquei radiante! 2018 é um ano no qual quero me dedicar ao máxima a educar e ser educada neste tema que é centro da minha profissão há tantos anos. Quero trocar mais e mais experiências! E não podia ter incentivo maior do que acompanhar as iniciativas da IASP!

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O tema tem como ponto chave “Bridging the gap between knowledge and practice.” – diminuir o abismo entre o conhecimento e a prática. E não é somente foca os profissionais da saúde mas também os pacientes, os órgãos governamentais e dos membros de pesquisa em educação em dor. É uma força tarefa para que conceitos corretos atinjam todas as camadas da população. A educação em dor se mostra uma das ferramentas mais eficazes para o combate da mesma.

Eu sonho com o dia em que a Odontologia (minha área de atuação) reconheça e trabalhe melhor com dor, inclusive na melhor orientação do paciente. Infelizmente ainda é só sonho…. A IASP apresenta neste ano sugestões curriculares para isso.

Para saber mais, acompanhe a hashtag #GYPainEducation nas redes sociais como LinkedIn, Facebook, Instagram e Twitter!

Na página oficial da IASP você pode também ter acesso ao material produzido por eles (em breve a SBED – Sociedade Brasileira para Estudo da Dor – deve realizar a tradução destes textos).

Sobre a educação para a população, em tradução livre minha coloco o que a IASP citou:

A educação da população pode ajudar a reduzir o peso da dor na sociedade. Aqui estão cinco razões pelas quais a educação  sobre a dor pode ser altamente benéfica:

1. As pessoas que recebem essa educação podem tomar medidas para evitar a dor, como praticar técnicas adequadas de alongamento e atividade física, e podem se dedicar a uma autogestão oportuna e útil quando a dor atinge.

2. As pessoas educadas sobre a dor podem dar conselhos e assistência adequados aos familiares, amigos e colegas com dor.

3. Nas interações com os prestadores de cuidados de saúde, as pessoas com conhecimento em dor podem advogar e aceitar o tratamento adequado para dor aguda e crônica que eles ou membros da família experimentam.

4. Um público educado pode atuar a nível comunitário para minimizar os riscos que contribuem para lesões causadoras de dor; por exemplo, jovens que praticam esportes de contato ou em comunidades que podem ser propensas a apresentar calçadas em estado de destruição (que podem gerar lesões dolorosas).

5. Os cidadãos educados podem defender políticas públicas melhoradas de prevenção e controle da dor, tais como requerimentos razoáveis de capacete esportivo, acesso legal a medicamente necessários e reembolso de seguro médico de cuidados de dor interdisciplinares.

E como pode ser realizada esta educação? De várias formas! Uma delas (e a primeira citada pela IASP) é através da Internet! Olhe a oportunidade bem ao nosso alcance! Invista em redes sociais, vídeos instrutivos, postagem com conteúdo. Use ao favor da educação em dor!

Todos nós só temos a ganhar! 🙂

E ainda dentro deste tema, a SBDOF – Sociedade Brasileira de Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial – criou uma publicação chamada Cadernos da SBDOF que tem como editora a professora Liete Zwir, revisão científica dos professores Antônio Sérgio Guimarães e Paulo Conti. No primeiro volume, o atual presidente da SBDOF,  Reynaldo Leite Martins Júnior, escreveu sobre DTM para pacientes. Excelente material para enviarmos aos nossos pacientes. Aqui no site e em PDF: Caderno SBDOF número 1 (versão que pode ser impressa em gráfica).

Mais uma dica: já escrevi aqui sobre o site  Pesquisa em Dor . Mas a dica é boa e vale a pena repetir. O site tem uma área para os pacientes e uma área para profissionais. Na área de pacientes há explicações sobre dor que aparecem de forma lúdica e didática, o que atiça a curiosidade e facilita o entendimento. Veja por exemplo Caminho da Recuperação. A área para profissionais reúne ferramentas que podemos utilizar na nossa rotina clínica (inclusive a escala de cinesiofobia que já falamos aqui), manual para utilizar o caminho da recuperação com seu paciente e algo que acho essencial: estratégias para educar seu paciente com relação a dor.

E por fim, sobre cursos e eventos, vou atualizar a página em breve com toda a agenda de 2018! Os cursos em Bauru, coordenados pelo professor Paulo Conti, estão com lista de espera e novas turmas estão planejadas para segundo semestre. Entre em contato com IEO-Bauru para mais informações! Em Florianópolis começa em março um curso de aperfeiçoamento em Disfunção Temporomandibular na Zenith comigo, Prof. Conti e Prof. Rafael Santos Silva! Serão 6 módulos de 3 dias cada com clínica e 144 horas de muita informação! Últimas vagas no link. Ainda, há previsão de curso em João Pessoa,de atualização, na COESP, ainda com datas a serem definidas no segundo semestre! Ufa! E tem grupo de estudos, Dia do Bruxismo (Com agenda lotada!! Clique aqui e veja todas as datas) e mais os congressos na área de Dor! Vale um destaque ao meu congresso favorito, o Congresso Mundial de Dor da IASP, que acontecerá em setembro, em Boston e eu já comprei minha passagem!!! \o/ Depois farei uma postagem com todos os eventos do ano (CINDOR, ICOT, IADR, SBCe, SBDOF, etc).


Falando nisso…

Pela segunda vez um cirurgião-dentista está na presidência da Sociedade Brasileira de Estudo (SBED), Prof. Dr. Eduardo Grossmann assumiu e estará a frente da SBED pelos anos 2018 e 2019. Prof. José Tadeu Tesseroli de Siqueira foi o outro cirurgião-dentista a comandar a SBED. É orgulho a nossa classe! Votos de excelente gestão ao Prof. Grossmann. Link para seu discurso de posse.

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Dor oncológica

Um assunto pouco abordado aqui no blog é sobre dor oncológica.
Como sei que muitos pacientes leem este blog, preciso comunicar algo a eles:  este tipo de dor não é comum (ainda bem). Então, se você apresenta dor na região da face ou boca, primeiro consulte um especialista em dor orofacial, que muito provavelmente sua condição não é esta.
Mas voltando ao assunto, na quarta feira um seminário sobre este assunto será apresentado no curso de Especialização em DTM e Dor Orofacial em Bauru (ei, para quem quiser participar,  inscrições já estão abertas tanto para atualização quanto especialização!) e eu vou assistir. E então, estou fazendo a lição de casa e relendo um dos artigos.
Trata-se de uma revisão de literatura publicada este ano no Current Pain and Headache Reports pelos autores Marcela Romero-Reys, Antonia Teruel e Yi Ye. O título é Cancer and Reffered Facial Pain.
Os autores introduzem o assunto com a frase:
“The fundamental purpose of the pain experience is protection, and this is underscored when pain is related to cancer”.
 O diagnóstico nestas condições é o mais nebuloso. A dor apresenta-se com várias características e vários mecanismos (somáticos, viscerais, inflamatórios, neuropáticos) e pode ser consequência do tumor em si ou da sequela do próprio tratamento como de cirurgias, quimo e radioterapia. Ainda, pode ser devido a um tumor local ou uma dor referida a esta região.
De modo geral os autores destacam que a dor oncológica deve ser incluída no diagnóstico diferencial de pacientes com dor orofacial inexplicável ou intratável.
Isso me fez lembrar que ouço a todo momento sobre pacientes refratários. Minha opinião sobre eles: primeiro tenha certeza do diagnóstico, antes de propor outra terapia!
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Eu já atendi alguns pacientes com dores oncológicas, só este mês foram dois. Mas estes são casos raros no consultório de dor orofacial. Não esqueço nenhum deles pois sempre a investigação foi complexa e muitas vezes chegamos ao veredito por exclusão. Também atendi pacientes com sinais de dormência no queixo (já escrevi aqui sobre isso).
Recomendo a leitura do artigo completo para que possam ter uma ideia dos mecanismos envolvidos na dor orofacial oncológica e das características de cada tipo de câncer oral.
Mas duas coisas quero destacar:
  1. A dor pode ser referida a articulação temporomandibular (ATM) e ser descrita como dor pulsátil, apresentando limitação e desvio em abertura bucal, trismo, estalos e sintomas de otalgia, o que pode ser confundido com DTM.
  2. Sintomas de dor com características similares a neuralgia do trigêmeo, odontalgia atípica e DTM foram os três mais comuns associados a tumores intracranianos, especialmente tumores de fossa craniana posterior e média.
Acho importantíssimo não esquecermos disso!
Ainda, uma condição talvez mais rara mas que o amigo Reynaldo Leite Martins Jr. uma vez já havia comentado comigo e é citada no artigo, é a dor referida por câncer de pulmão. Este fato já foi descrito na literatura e foi sugerido que esta dor é mediada pelo nervo vago que quando comprimido pelo tumor pode causar convergência de impulsos periféricos ao subnúcleo caudal do nervo trigêmeo, gerando dor orofacial.
Então, parem e pensem sempre! Diagnóstico deve vir sempre antes do tratamento. Colegas: verifiquem e conheçam  os critérios de diagnóstico para cada tipo de disfunção temporomandibular (são vários!), dor neuropática ou outra condição. Cuidado ao oferecer terapia a pacientes “refratários” ao tratamento anterior, sem antes reavaliar o diagnóstico.
Os autores colocaram algumas importantes considerações clínicas para dor oncológica na região orofacial:
  • Para correto diagnóstico de qualquer dor na região orofacial, os clínicos deveriam tomar o histórico médico e odontológico e incluir os seguintes aspectos com relação a dor: início, localização, qualidade, padrão temporal, intensidade, padrão de referência e fatores modificadores. Estas informações podem indicar a etiologia da dor.
  • No exame físico, a área dolorida deve ser examinada, mas os clínicos sempre devem lembrar que a origem da dor pode estar localizada em uma área distante da relatada (dor referida).
  • Os clínicos devem lembrar que o diagnóstico de dor por câncer é realizado por exclusão e somente deve ser considerado quando todas as causas óbvias e comuns para a dor foram extensamente investigadas e excluídas.
  • Os descritores para dor oncológica são os mesmos para outras condições não oncológicas na região orofacial e a intensidade de dor pode variar de moderada a grave.
Falando nisso o Reynaldo que citei acima e alguns colaboradores publicaram o artigo Diagnóstico tardio de Neoplasia tratada como disfunção temporomandibular: Relato de caso e revisão de literatura” que tem tudo a ver com o tema desta postagem. Ele está disponível e sugiro a leitura! Só clicar no título!
Agora já estou preparada para assistir ao seminário quarta feira!! 🙂
Boa semana a todos!

Síndrome do queixo dormente

Hoje venho contar uma história que presenciei ano passado e acredito que possa ajudar muitas pessoas.

Atendi uma paciente cuja queixa principal era dormência no queixo associada a dor na face, bilateral, em masseter. Esta dor era forte e até então, intratável. Nenhuma medicação trouxe analgesia.

Após longa anamnese e exame físico, constatei que a queixa era incomum. Isso foi muito importante. Sempre digo a todos, conheça profundamente os diagnósticos mais comuns em sua rotina e saiba também identificar quando um caso não é típico. Um dos pontos que me chamou a atenção foi que a paciente apresentava um tumor em mama, reincidente, maligno. Em duas semanas seria submetida aos procedimentos cirúrgicos.

Me lembrei dos casos que  o Prof. Reynaldo Martins Jr. de Cuiabá publicados sobre referência de dor em mandíbula por tumores. Escrevemos e estudamos tão pouco sobre dor oncológica na nossa área, não? Em contato com ele discutimos sobre a presença de Numb Chin Syndrome, em português, Síndrome do Queixo Dormente, o qual se assemelhava ao caso da paciente.

Enquanto escrevia esta postagem, encontrei via Google um texto interessante sobre isso no Facebook da página Semiologia Geral e Especializada (se o texto está bom, vamos reproduzi-lo com créditos!):

A síndrome do queixo dormente (SQD), também chamada neuropatia mentual, é neuropatia sensorial caracterizada por dormência do queixo e do lábio inferior, na maioria das vezes unilateral. Surge devido trauma, compressão ou infiltração de fibras do nervo mentual ou mentoniano. Embora incomum, adquire importância por frequentemente traduzir comprometimento ósseo metastático.
O ramo mandibular do nervo trigêmeo deixa o crâneo pelo forame oval e ramifica-se numa porção anterior motora e outra posterior sensitiva. Este último ramo progride pela mandíbula como nervo alveolar inferior o qual, ao se exteriorizar pelo forame mentual, torna-se o nervo mentual. Processos que acometam fibras desse nervo ao longo do seu trajeto podem causar SQD. Entre eles incluem-se doenças odontológicas, traumas, amiloidose, vasculites sistêmicas, esclerose múltipla, diabetes melitus, sarcoidose, anemia falciforme e AIDS. Entretanto, a causa mais comum de SQD são lesões neoplásicas metastáticas.
O acometimento ósseo metastático pode ocorrer ao nível da mandíbula e mesmo na base do crâneo. Em alguns casos o quadro é devido carcinomatose meníngea. Inúmeras neoplasias já foram associadas com a SQD, em especial tumores de mama, linfomas, tumores de pulmão, próstata, e cabeça e pescoço. Associação com leucemias aparece geralmente em crianças.
A SQD é mais comum em pacientes com diagnósticos já firmados de neoplasias, sendo em muitos casos sinal de recorrência da doença primária. Entretanto, ela também pode ser a primeira manifestação de um tumor. Entre 10 a 30% dos casos o quadro é bilateral. Nessa situação deve ser diferenciado de hiperventilação ou hipocalcemia que dão sintomatologia perioral. Via de regra a SQD se associa a prognóstico ruim, por significar doença maligna metastática.
O conhecimento da SQD pelos médicos é importante, para que não deixem de valorizar uma queixa tão sútil de doença neoplásica avançada.

Vários fatos batiam: a neoplasia era recorrente, o tumor era em mama, e a paciente se encontrava entre os 10 a 30% dos casos que são bilaterais. Mas, solicitei exames de imagem de face e crânio e não foi apontada nenhuma alteração digna de nota. Detalhe: o convênio dela não aceitou meu pedido para imagem de pescoço (vamos sempre brigar pelo nosso direito). Como estava próximo da data de cirurgia, resolvemos esperar e verificar se a sintomatologia melhorava. Entrei em contato com o oncologista e discuti isso.

A dor era intensa e não houve melhora. Os sintomas poderiam ser também relacionados a síndrome paraneoplásica, onde o sistema neurológico poderia estar acometido pelo tumor à distância. O que chamou a minha atenção é que mesmo após a remoção do tumor, a dor e dormência persistiram. É muito importante comunicar isso ao oncologista pois pode estar relacionado a presença de metástase, o que realmente aconteceu, presente na região cervical.

O profissional que trabalha com dor orofacial deve estar atento a todos os sintomas. Lembre-se das palavras do professor Pedro Moreira Filho, neurologista da Universidade Federal Fluminense: trate de forma típica, aquilo que lhe é típico. Não inicie um tratamento se não tiver diagnóstico.

Vamos ler mais sobre o assunto?

Vários artigos estão à disposição online! Separei os mais recentes. Todos com acesso gratuito!

Segue abaixo:

Intractable Facial Pain and Numb Chin due to Metastatic Esophageal Adenocarcinoma.

Numb chin syndrome as first symptom of diffuse large B-cell lymphoma.

Metastasis of prostate carcinoma in the mandible manifesting as numb chin syndrome.

Numb chin syndrome as a manifestation of non-small cell lung cancer.

Numb chin syndrome.

Unusual presentation of ‘numb chin syndrome‘ as the manifestation of metastatic adenocarcinoma of the lung.

Boa leitura!

– Marinella MA. Numb Chin Syndrome: A Subtle Clue to Possible Serious Illness. Hosp Phys. 2000; 35: 55-56.35: 55-56.