Cinesiofobia

Estudos recentes apoiam a ideia de que a DTM crônica é uma condição multifatorial, em que os fatores psicológicos tem um papel importante tanto no início como perpetuação da condição.

Já escrevi aqui no blog e costumo comentar bastante em aulas que muitos dos pacientes com Disfunção Temporomandibular, após a experiência da dor ou mesmo por orientações (muitas vezes erradas) de que se abrir a boca pode travar, apresentam um comportamento em que restringe o movimento da mandíbula não por dor e sim por medo, a tal chamada cinesiofobia.

Este é um problema enorme. Hoje sabemos que para reabilitar um paciente com dor articular ou muscular, é preciso que ocorram movimentos dentro do limite indolor, com cautela, mas que proporcionem lubrificação articular e mobilidade muscular. Mas muitas vezes o paciente não executa estes movimentos e assim passa a não obter resultados significativos com a terapia ou até mesmo piorar.

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Em 2010 foi publicado na revista Pain um artigo da Holanda encabeçado pela professora Corinne Visscher com uma adaptação da escala Tampa de cinesiofobia para pacientes com DTM.  Visscher et al. mostrou que pacientes com DTM crônica que apresentavam mais problemas funcionais relacionados a Articulação Temporomandibular (ATM) relatavam também alto índice de medo do movimento.   Ainda, a cinesiofobia foi relacionada a problemas mecânicos da ATM, como ruídos e travamentos.

Após esta publicação, dois outros trabalhos foram publicados, no Journal Headache and Pain com validação da escala em pacientes com DTM dolorosa e seu uso em condições crônicas. Estes artigos são gratuitos e estão disponíveis aqui e aqui.

Semana passada foi publicado no Journal Oral Rehabilitation um artigo sobre a tradução, validação e adaptação da Escala Tampa de Cinesiofobia para DTM em Português Brasileiro! \o/ Isso é muito bacana pois permitirá o uso desta escala em nossos consultórios! O artigo é derivado da dissertação de Mestrado de Aroldo do Santos Aguiar, sob supervisão da Profa. Dra. Thaís Chaves da USP-Ribeirão Preto. A Thaís é uma amiga querida (já falei sobre o trabalho dela aqui) e eu que não sou boba nem nada, já mandei um email a ela que prontamente me respondeu dizendo que ainda está montando a página de seu laboratório, onde os questionários estarão disponíveis.

Mas…

Gentilmente cedeu a este blog o questionário traduzido que você pode acessar clicando neste link: Tampa TMD para divulgação 14.04.17.

Obrigada pela gentileza Thais!

E povo, vamos ler, estudar e aplicar esta escala!

Falando nisso…

E por falar em DTM, trabalhos e tal, devo lembrá-los que amanhã vence o prazo para submissão de trabalhos científicos ao III Congresso Brasileiro de Dor Orofacial, bem como o desconto para participação.

Acesse o site http://bit.ly/sbdof2017 e faça sua inscrição.

Toda a programação, valores, datas e horários estão no link.

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Novidades sobre Bruxismo no IADR

Esta semana aconteceu em São Francisco na Califórnia a edição anual do Congresso Mundial de Pesquisa Odontológica promovido pela IADR (Associação Internacional de Pesquisa Odontológica). Infelizmente não pude comparecer.

Neste evento aconteceu uma reunião fechada entre os experts na pesquisa do Bruxismo. Prof. Daniele Manfredini foi um dos participantes e gentilmente fez um resumo do que aconteceu nesta reunião. Coloco abaixo seu texto:

Dear friends, 
as promised, here I am with a brief summary of the expert consensus meeting on bruxism at the IADR congress. Nice and lovely experience, without any real clashes between any of us…my special thanks to Frank Lobbezoo for the excellent coordination and to Karen Raphael and Peter Wetselaar, who co-chaired with me the working group on the definition of diagnostic cut-offs. The other groups provided summaries on the non-instrumental (ie, questionnaires, interviews, EMA [ecological momentary assessment], clinical assessment) and instrumental (ie, PSG and EMG) approaches to bruxism evaluation. 
At the end of the a very productive day, we all agreed that the new consensus paper should be based on some very clear concepts: 
1. a separate definition for sleep and awake bruxism – different etiology, clinical consequences, and management outcomes; 
2.bruxism is a behavior, which can be a risk factor for some clinical signs/symptoms (e.g., tooth wear, muscle fatigue, pain) or be associated with other conditions (e.g., OSA, other sleep disorders). Bruxism is not a “disorder” per se; 
3. being a risk factor, bruxism cannot be “diagnosed” in terms of yes/no, and the search for an ideal cut-point that discriminates between the presence or absence of clinical consequences might reveal unfruitful; 
4. as such, as far as sleep time is concerned, it is recommendable that masticatory muscle activity is measured in its continuum; 
5. as for awake bruxism, self-report via EMA is a promising strategy to approximate a correlation with patients’ experienced symptoms.  
All these summary points have to be refined after the manuscript will be drafted in full version and submitted for suggestions to the expert who were absent during the meeting.

Daniele Manfredini

Como eu já esperava, mais do que nunca é importante separar o Bruxismo do Sono do Bruxismo em Vigília, inclusive em definição, já que são condições distintas.

Bruxismo é um comportamento. Este fato traz um desafio ao clínico, pois há individualização do diagnóstico. Como comportamento sua ocorrência depende de vários fatores e ainda, pode ser que tragam ou não consequências ao organismo. O bruxismo nem sempre é vilão (leia sobre isso aqui).

Sobre o EMA citado no item 5, trata-se do uso de aplicativos para smartphone para potencializar o diagnóstico e controle do bruxismo em vigília. E isso já fazemos há anos, não é mesmo? O primeiro aplicativo foi o Desencoste seus Dentes e depois surgiu o Bruxapp. No Dia do Bruxismo demonstro sempre como uso este recurso na clínica!

Enfim, pensando em todos os aspectos, concordo com um comentário realizado pelo colega Ricardo Aranha e confirmado pela Profa. Karen Raphael em uma discussão no Facebook: existe muito sobre tratamento em relação ao Bruxismo.

Eu já estou ansiosa para ler as publicações que viram por aí no Journal Oral Rehabilitation. Vamos ficar de olho!!

 

Falando nisso…

A professora Adriana Lira Ortega também estava lá no IADR (#inveja) e mostrou tudo no Instagram do Dia do Bruxismo! Siga lá! @diadobruxismo Antes de ela embarcar ainda estivemos em Maringá na Dental Press, e foi muito bacana!

Agora o próximo DB acontecerá em Passo Fundo (vamos explicar direitinho as novidades sobre Bruxismo)! Clique aqui e saiba todos os detalhes!

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O uso da toxina botulínica nas cefaleias

Olá! Estou de volta depois de um Maio super agitado! Há duas semanas estava no II Congresso Brasileiro de Dor Orofacial e quero aproveitar para agradecer ao carinho de várias pessoas que vieram dizer que lêem o blog!! Obrigada!!! Eu faço este trabalho aqui de divulgação para vocês mesmo! 🙂
Mas vamos ao que interessa: eu acabei assistindo a poucas palestras lá na íntegra. Mas sempre que podia corria para ver a mesa de perguntas aos palestrantes (para mim é sempre o ponto alto do congresso). No sábado pela manhã houve a palestra sobre o uso da Toxina Botulínica nas DTMs e Bruxismo. A palestrante foi minha parceira no Dia do Bruxismo, Profa. Adriana Lira Ortega (conheçam o site do projeto! Em Florianópolis as vagas estão esgotadas! Agora a próxima data é em Belo Horizonte, no dia 27/06!). Também estava no sábado pela manhã a Profa. Thaís Villa, neurologista e cafaliatra.
Assim, com o assunto fresco na memória, surgiu a pergunta a profa. Thaís e era sobre o que ela achava das propagandas de dentistas e cursos para dentistas que utilizariam a toxina botulínica para tratamento das cefaleias.
Não vou conseguir aqui reproduzir fielmente as palavras da Profa. Thaís naquele momento, mas lembro que ela citou que achava intrigante o cirurgião-dentista realizar tratamentos para migrânea e  até para algumas condições que não existem como “migrânea tensional”.
Na hora acessei o Google e dei uma olhada e também fiquei intrigada! Não é que tratamento para “migrânea tensional” é oferecido mesmo?!
E qual o problema disso??
Vem cá, vamos raciocinar.
(ATENÇÃO! Antes de mais nada quero deixar claro que não sou contra o uso odontológico da toxina botulínica quando bem empregado.)
O Conselho Federal de Odontologia prevê o uso terapêutico da toxina botulínica em procedimentos odontológicos. E então tenho perguntas a você, colega dentista:
  1. Você sabe a diferença entre migrânea (enxaqueca), cefaleia tipo tensional e cefaleia por disfunção temporomandibular? Se sabe, diga agora todos os critérios de diagnóstico!
  2.  Você sabe diferenciar uma cefaleia primária de uma cefaleia secundária (causada por algo) que tenham as mesmas características, que podem ser migranosas?
  3. Você sabe o motivo da toxina botulínica ser indicada para o tratamento da migrânea crônica?
  4. E para terminar, você sabe que enxaqueca é sinônimo de migrânea e que não é apenas uma dor de cabeça forte, e sim uma cefaleia primária com fases distintas e fenômenos neurológicos marcantes?
Pois é. Nós Cirurgiões-Dentistas, por mais bem intencionados que somos, não fomos treinados para isso. Não faz parte de nosso escopo. Por que este tipo de anúncio?
Então vou tentar relatar algumas coisas para você entender melhor meu questionamento. Primeiro é indispensável conhecer a condição, o diagnóstico da cefaleia. Para isso, estudamos a Classificação Internacional das Cefaleias, até para aprender a distinguir e poder encaminhar efetivamente ao neurologista, melhor ainda se cefaliatra (há uma lista deles filiados a Sociedade Brasileira de Cefaleia). Uma pesquisa que publicamos há anos atrás mostra por exemplo que o cirurgião dentista pode não estar preparado para reconhecer esta condição! Leia aqui.
Segundo, devemos buscar os estudos que apoiam a terapia.
E aí acontece uma coisa interessante, assim como nas DTMs, o uso da toxina botulínica na cefaleia tipo tensional crônica (CTTC), um tipo de cefaleia primária, (leia suas características na classificação) tem pouca ou modesta eficácia. Isso porque nestes casos, o uso da toxina visa a diminuição da força de contração muscular. Como os estudos mostram, nem sempre reduzir atividade muscular traz benefício para dor (vide aula Bruxismo X DTM). Tanto em 2012, no Journal of American Medicine Association (JAMA) quanto em 2013, na revista Headache, artigos de revisão foram publicados que citaram que o uso da toxina não mostrou resultados satisfatórios nem para migrânea episódica, nem para CTT.
E para  “migrânea tensional”? Isso não existe mas parece que a toxina não seria a melhor indicação para ela. 🙂
MAS…
Aí é que tá, a toxina botulínica tem boa aplicabilidade, segurança e tolerabilidade para o uso em outra condição: a Migrânea Crônica, refratária a outros tratamentos!
E você sabe dizer por que? Por que “relaxa” a musculatura? Hein?
Não, veja bem, para entender o porquê da toxina ser eficiente nesta condição é preciso entender a sua fisiopatologia!
Primeiro entender como é a fisiopatologia da Migrânea (vulgo, enxaqueca). Existem várias fontes de informação sobre isso. Para que este texto não se torne um capítulo de livro, sugiro que assista ao vídeo abaixo, ou veja este material da American Headache Society ou entre no site da Sociedade Brasileira de Cefaleia ou procure bons artigos no Pubmed.
Ainda é preciso entender sobre cronificação da dor, sensibilização periférica e central…
Segundo, a toxina botulínica aplicada neste casos não visa primariamente bloquear a liberação de acetilcolina e com isso a paresia muscular. E sim, visa atuar em neurônios sensitivos aferentes que estão disfuncionados, liberando na periferia neuropeptídeos inflamatórios como Substância P, CGRP, etc. Com isso, há uma redução na sensibilização periférica, o que contribui para reverter o quadro de sensibilização central, o que leva tempo e muitas vezes mais de uma aplicação.
 O trabalho vencedor do prêmio da International Headache Society este ano foi Selective inhibition of meningeal nociceptors by botulinum neurotoxin type A: Therapeutic implications for migraine and other pains!! Nele você poderá ler mais um pouco sobre o que escrevi acima e também nos links abaixo:
Só tratamos aquilo que conhecemos. Não devemos tratar sintomas e sim condições. Diagnóstico é fundamental.
Sobre isso, uma postagem de 5 anos atrás, talvez a minha favorita, ainda atual: Afinal, onde dói?