A pesquisa com animais: uma experiência pessoal

Tenho muito orgulho de fazer parte de uma equipe de pesquisa tão competente com a da Faculdade de Odontologia de Bauru – USP.

Sorte de conviver com pessoas e experiências tão diferentes como a que a colega Carolina Ortigosa Cunha nos trouxe com seu retorno ao Brasil.

E como achei muito interessante, pedi a Carol que contasse aos leitores aqui do blog a sua experiência em estudar nos Estados Unidos, na University of Medicine and Dentistry of New Jersey (atualmente Rutgers University) no laboratório de pesquisas do Prof. Eli Eliav.

Ela trabalhou com pesquisas em animais com temas envolvendo dor orofacial. E este é um tema que foi muito comentado (e talvez pouco discutido) no Brasil nas últimas semanas. Nada mais atual, não?

Sugiro a todos que leiam!

Profa. Carolina Ortigosa Cunha

Profa. Carolina Ortigosa Cunha

Depois de toda a repercussão na mídia sobre pesquisas com animais e do incidente ocorrido com os cachorros da raça beagle do Instituto Royal, parei para refletir sobre o tema, mas não precisei de muito tempo de reflexão, minha opinião já estava muito bem formada. Sou uma estudante de doutorado da Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo (FOB-USP), e minha linha de pesquisa é Dor Orofacial. Em agosto de 2012 viajei para os Estados Unidos com uma bolsa de doutorado sanduíche da CAPES e fui estudar, pesquisar e aprender por 1 ano sobre como realizar pesquisas na área de dor em animais, mais precisamente ratos e camundongos. “Estudar dor orofacial em ratos? Você é louca!” , essa foi uma das frases que mais ouvia antes de viajar, e não posso negar que esse era um pensamento meu também, será que o que eu estava fazendo iria valer a pena? Sim, valeu, e muito! E é essa experiência de pesquisa com animais que eu vou tentar contar um pouco neste texto.

Eu nunca havia trabalhado com animais na minha vida, e quando eu digo em minha vida não digo apenas na minha vida profissional, digo também na minha vida pessoal. E por nunca ter feito isso, eu realmente não sabia se a idéia de trabalhar com animais nos EUA ia dar certo, mas sabia que seria uma experiência ótima para mim e para nosso grupo de pesquisa de dor orofacial da FOB-USP, porque poderíamos começar a pesquisar em animais e somar dados às linhas de pesquisa já existentes com humanos.

Foi quando cheguei no primeiro dia na University of Medicine and Dentistry of New Jersey (atualmente Rutgers University), no laboratório do Dr. Eli Eliav, um grande pesquisador da área de pesquisa com animais e dor, que me deparei como a pesquisa em animais nos EUA é extremamente controlada no que diz respeito a pesquisa de dor em animais. Neste primeiro dia conversei com o Prof Junad Khan, o que diríamos aqui no Brasil de “o cara”. Ele era o cara mesmo, de uma habilidade única para trabalhar com os ratos e camundongos. Fiquei extremamente empolgada! Mas tive que conter minha empolgação por 2 meses. Dois longos meses de espera pelo simples fato de que se eu não fizesse três cursos sobre, em poucas palavras, manuseio e tratamento para com os aninais de laboratório, eu não poderia sequer tocá-los por 1 segundo. Durante esse cursos aprendi que havia um órgão que controlava a pesquisa de animais nos EUA, assim como existe no Brasil, a nível federal e órgãos a níveis da própria universidade. Descobri que estes órgãos, lá nos EUA, realizavam inspeções nos laboratórios quase que semanais, e tudo, simplesmente tudo, era revistado no laboratório e nos biotérios, para que os animais tivessem o melhor tratamento possível. A professora do curso disse que certa vez, o inspetor do órgão federal veio até um laboratório de uma universidade da qual não me lembro o nome, e pediu ao aluno, que realizava uma pesquisa no momento, para mostrá-lo como ele segurava o rato, e por um descuido do aluno, este segurou o rato pelo rabo, pronto, bastou, o governo fechou o laboratório por 3 meses para que todas as leis fossem revistas pelos pesquisadores do local. Bom, após todos os cursos concluídos tive a chance de ter contato com os ratos pela primeira vez. Dr. Khan me pediu para descer com ele até o Biotério da faculdade para pegar os ratos. Novamente fiquei deslumbrada. Nunca imaginei que um biotério poderia ser tão organizado e limpo quanto era lá. Cheio de regras, que se podia seguir ou não, dependendo da índole do pesquisador. As vestimentas para poder entrar na sala, o horário que se podia entrar nelas, o cuidado com nunca deixar o animal sem água e comida, o cuidado de sempre colocá-los em uma gaiola limpa, em não misturar a gaiola suja com a limpa, não misturar a garrafa de água suja com a limpa, o registro de todos os animais que entravam e saiam, e a obrigação de descer até o biotério pelo menos uma vez por dia quando realizássemos cirurgia nos ratos, para verificar como estes estavam se comportando. Tudo extremamente organizado. Os ratos dormiam as 18hs e acordavam as 6hs da manhã. Nesse período nem pensar em mantê-los no laboratório. E era assim, a luzes se apagavam as 18hs, sem importar se você ainda estava na sala ou não! Um dia fiquei lá no escuro, eu e mais uns 300 ratos! E sim, eram 18hs exatamente! Ao sair do biotério, tínhamos que cobrir as gaiolas no carrinho com um pano, um plástico preto, com qualquer que fosse o que tivéssemos, no nosso caso um pano enorme, para que em hipótese nenhuma os ratos ficassem estressados com os ambientes que percorríamos até chegarmos no laboratório. Já no laboratório, todos os ratos novos, que nunca haviam estado por lá tinham que ser habituados ao ambiente. Nem pensar em começar nenhuma pesquisa sem habituá-los primeiro. Foi nesse dia que peguei o primeiro rato na mão, sensação incrível, um ser indefeso no primeiro momento mas que não admitia nenhuma ousadia que ele morderia na hora, sem hesitação, afinal é um animal com todo o instinto animal que um rato pode ter. Foram dias me acostumando a manuseá-los da maneira correta, anestesiá-los da maneira correta, a fazer todos os testes (tátil, calor, testes mecânicos, exercitá-los na esteira, observá-los no Y-maze) da maneira correta para que todos os dados fossem obtidos fielmente. Não entrarei em detalhes de como realizávamos os testes, cirurgias e as observações que fazíamos porque não é o intuito do texto, o intuito é dizer o quanto se presava pelo melhor tratamento possível que podíamos dar aos animais. Só não era o melhor possível porque induzíamos dor neles, dor aguda e crônica, inflamatória e neuropática, geral e orofacial. E dor é uma sensação desagradável, obrigatoriamente. E depois de todas as cirurgias e testes chegava a parte que no início para mim foi chocante, e é a parte que mais choca a sociedade no meu ponto de vista. A parte da eutanásia dos animais. E vale ressaltar que no começo, toda vez que eu dizia “matar os ratos” eu levava uma bronca, não estou matando eles, estou performando a eutanásia deles, uma morte indolor. E era assim que era feito, sinceramente eu podia sentir que eles não sofriam, mas confesso que a primeira eutanásia que eu realizei me deixou mal por quase uma semana, foi aí que ao comentar isso com meu professores recebi o seguinte conselho: pense em como esse rato vai poder salvar milhares de vida no futuro e como é simplesmente impossível testar drogas para dor em humanos sem antes testá-los em animais que possuem um organismo que se assemelha a quase 99% ao organismo dos seres humanos. Testar as reações adversas que uma droga pode ter e o benefício que ela pode trazer e porque. E é esse “porque” que nos obriga a fazer pesquisa em ratos, por exemplo, e não em humanos. E esse meu pensamento se firmou quando certo dia ajudei o Dr Khan em uma pesquisa que ele fazia para uma indústria farmacêutica. Em poucas e simples palavras a pesquisa consistia em simplesmente descelularizar (tirar todas as células) do fígado do animal, e repovoá-lo novamente com células tronco, e gerar um novo fígado na “carcaça” do fígado antigo, novo, sem doença, para que num futuro próximo se pudesse usar a mesma técnica, mais aperfeiçoada, com seres humanos que sofrem em uma fila de transplantes de orgãos! Isso é simplesmente genial! Como pesquisar isso em seres humanos! Impossível! Por isso a pesquisa em animais é necessária, e ponto. Não sei que argumentos se usam para defender a tese de se abolir pesquisa em animais. Esse animais são super bem tratados, existe inúmeras leis que se incube de não deixa-los sofrer e serem maltratados  nas mãos de pesquisadores despreparados. E isso vale para o Brasil também. Essas mesmas leis e atitudes que presenciei lá no laboratório e universidade que frequentei nos EUA são as mesmas que se emprega aqui no Brasil, minha dúvida é apenas se estas leis são cumpridas e inspecionadas de maneira eficiente. Mas isso não justifica banir as pesquisas em animais. Essas pesquisas são essenciais e diariamente nos beneficiamos dela! Em todos os produtos que consumimos, em todos os alimentos que ouvimos “fazer bem a saúde”, em todas os medicamentos que utilizamos…E é isso, da minha experiência de 1 ano tirei uma experiência que levarei para toda a minha vida. E espero ajudar muitas vidas com as pesquisas que iremos realizar com animais agora aqui no Brasil. 

Rafi Benoliel, Carolina Ortigosa Cunha e Eli Eliav

Rafi Benoliel, Carolina Ortigosa Cunha e Eli Eliav

Junad Khan e Carolina Ortigosa Cunha

Junad Khan e Carolina Ortigosa Cunha

Carol, muito obrigada mesmo por compartilhar sua experiência e parabéns por seu brilhantismo e dedicação! Sou feliz por poder conviver com você e todo o grupo FOB-USP!

Boa segunda feira a todos!!!

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Um pensamento sobre “A pesquisa com animais: uma experiência pessoal

  1. O seu tipo de experiencia foi o mesmo que tive na Universidade de Montréal com minha pesquisa de mestrado em dor orofacial. Quem e contra a pesquisa em animais nao tem a menor ideia do que esta falando. Cada caso e um caso e cada pesquisa deve ser conduzida da melhor forma eticamente falando. Desvios de conduta existem em todas as areas.

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