Eletromiografia: ferramenta de diagnóstico para DTM?

Sempre estou pensando em assuntos que ainda não abordei aqui no blog e hoje recebi via email um artigo que foi publicado há um ano atrás sobre o uso da eletromiografia no diagnóstico das disfunções temporomandibulares (DTM) e pensei: por que não escrever sobre isso?

Bem, vou resenhar então este artigo. O título dele é: Electromyography in diagnosing temporomandibular disorders e foi publicado na revista JADA em Abril de 2012 por professores de Alberta no Canadá.

Para quem não está familiarizado, eletromiografia (EMG) significa o estudo da função muscular através de análises de sinais elétricos produzidos durante a contração muscular.

É uma ferramenta muito utilizada na pesquisa especialmente relacionada a bruxismo e oclusão.

A teoria para qual seria utilizada a EMG no diagnóstico das DTM baseia-se em acreditar que o músculo sensibilizado, dolorido e com espasmo apresentaria um potencial elétrico maior, detectado pela média da EMG. Segundo os autores, o primeiro ponto questionável nesta teoria seria que diagnósticos de tipos de DTM muscular, como dor miofascial ou mialgia centralmente mediada, não seriam resultantes de mioespasmo.

A EMG é uma ferramenta importante e inquestionável na pesquisa e seu papel na rotina do consultório odontológico só vem crescendo desde os anos 50, quando começaram sua utilização. Mas ela seria uma ferramenta eficaz para o diagnóstico clínico, capaz de distinguir portadores de DTM? Esta foi a pergunta dos autores e para respondê-la realizaram uma revisão sistemática.

Dos resultados, farei um resumo. Dentre 164 estudos selecionados, apenas 2 foram incluídos nesta revisão. Os problemas com metodologia de estudo é, infelizmente, frequente nesta modalidade. Além disso, o objetivo era a capacidade desta ferramenta em distinguir um paciente com DTM de uma pessoa sem esta condição. Este fato, claro, contribuiu para o menor número de trabalhos.

Achei interessante a parte em que descrevem valores com relação a EMG. Quando falamos em ferramentas de diagnóstico, é imprescindível falar sobre alguns termos como sensibilidade e especificidade. Mais uma vez, para quem não está familiarizado, sensibilidade é a capacidade da ferramenta em distinguir quem tem a condição, ou seja, expressa em porcentagem a quantidade de pessoas que tem a condição e cujo a ferramenta foi positiva a esta condição. Especificidade descreve em porcentagem quantas pessoas que não tem a condição e a ferramenta conseguiu identificar esta ausência da condição (fui clara? rs).

Pois bem, dentro dos limites do estudo, os autores descrevem que a sensibilidade da EMG no diagnóstico foi baixa, entre 10 a 69%. A especificidade foi vista apenas em um estudo e também foi pobre (67%). Não tenho o número aqui (me cobrem que envio) mas me lembro que a versão modificada para o RDC/TMD (ferramenta clínica de diagnóstico) para diagnóstico de DTM musculares ultrapassa os 80%…

Algo que foi destacado no estudo é que diferenças entre os músculos avaliados e as diferenças entre os fatores biológicos entre os participantes acabam dificultando a comparação dos sinais da EMG.

O artigo levanta outros aspectos como dificuldade de uso do equipamento, treinamento do operador, qualidade metodológica dos estudos, etc. Na conclusão relata que até o presente momento, não há evidências que suportem o uso da EMG no diagnóstico das DTMs.

Mas não é só isso. Há um estudo publicado em 2011 pelo Journal of Oral Rehabilitation  que realizou exatamente uma pesquisa para verificar a acurácia de um equipamento de EMG comercial no diagnóstico de dor miofascial mastigatória em relação ao diagnóstico realizado pelo RDC/TMD. Os dados revelaram que não houve diferença entre pacientes com DTM e pessoas assintomáticas nos valores de EMG em repouso e assintomáticos apresentaram ainda valores maiores quando apertavam os dentes.

A conclusão foi que a EMG não deveria ser utilizada pelos clínicos para identificar estes pacientes, o que coincide com a revisão sistemática.

Eu não uso na clínica para o diagnóstico de DTM, não vejo vantagens. Talvez aparelhos mais simples de se utilizar sejam interessantes para o diagnóstico de bruxismo (e bruxismo não é DTM, diga-se de passagem). Utilizo em pesquisas somente.

Quem quiser emitir sua opinião, os comentários são para isso.

Abraços a todos e vamos curtir o friozinho repentino!

 

 

 

 

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9 pensamentos sobre “Eletromiografia: ferramenta de diagnóstico para DTM?

  1. Juliana muito bom sua colocação e muito bem explicado. Parabéns!!! Adoro seu blog, sempre trazendo informações úteis, atuais e de forma simples de se entender.
    E sobre o uso do Gridcare, qual a sua opinião? Abs.

    • Olá! Bem, o Grindcare é um aparelho que utiliza um sistema de EMG para contabilizar o número de contrações musculares no temporal durante o tempo de utilização ao dormir. Ele é considerado um aparelho promissor no diagnóstico do BRUXISMO mas não para DTM. Ainda não há valores como sensibilidade e especificidade (estou trabalhando exatamente nisso no doutorado). Espero trazer novidades em breve. Abs

  2. Olá Juliana, descobri seu blog há pouco tempo e venho lhe parabenizar. Muito bom trabalho!

  3. Ola Juliana! antes de qualquer comentário gostaria mais uma vez de parabeniza-la pela importante contribuição, na qual você tem se empenhado em divulgar com extrema qualidade esse controverso assunto que é DTM e Dor Orofacial! A EMG realmente não deve ser utilizada como ferramenta de diagnóstico para qualquer alteração muscular, mas tem sido utilizada como coadjuvante na terapia cognitivo comportamental em pacientes que desenvolveram DTM e tem como fator de risco “Apertamento” e hábitos que aumentam a atividade muscular e assim podem gerar a doença por fadiga muscular, devido micro trauma no orgão muscular pelo uso constante. O Prof. Dominik Ettlin da Univ. de Zurich tem falado e mostrado isto em suas palestras ! Pena que os equipamentos são caríssimos! gostaria de ter um Eletromiografo na minha clínica! por que você não faz um sorteio de um? (risos) Mais uma vez obrigado e parabéns pelo seu valoroso trabalho! Nós precisamos de gente como você! siga firme neste trabalho! seu excelente blog! Abraços

  4. Obrigada Ivan! Só quero fazer alguns comentários com você. Primeiro esclarecer exatamente o que o post diz: DIAGNÓSTICO DE DTM. Fico feliz que você tenha entendido isso! Segundo, acho promissor o uso da EMG em tratamentos de bruxismo. O Grindcare mesmo utiliza-se desta ferramenta para ativar seu mecanismo de biofeedback. Mas ainda para bruxismo em vigília, que é tão ou talvez pior para o paciente com DTM, ainda está em desenvolvimento. Obrigada por acompanhar o blog! Abraços

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