Decisão clínica e Odontologia baseada em evidências

Esta semana no grupo de Odontologia Estética Brasileira do Facebook foi iniciada uma discussão com uma pergunta curta e direta: o que é Odontologia baseada em Evidências (OBE)?

Eu já expus este tema aqui no blog algumas vezes, em diferentes enfoques e hoje quero disponibilizar a vocês parte da discussão.

Mas antes, senti vontade de esclarecer uma coisa. Talvez eu esteja enganada, mas sinto um certo preconceito com relação a OBE em algumas especialidades odontológicas, como a minha, a DTM e Dor Orofacial. Já ouvi diversas vezes “para vocês tudo tem que ter evidências” e outras frases parecidas. Mas isso não é verdade e nem é assim que esta ferramenta deve ser utilizada.

Tudo na vida é uma questão de equilíbrio (quem já assistiu uma das minhas aulas sabe que esta é a minha frase favorita! 🙂 ).

 

Equilíbrio que deve ser retratado na decisão clínica que tem, na mesma importância, os pilares: a experiência profissional, o custo/benefício do tratamento, a vontade do paciente e a melhor evidência possível na época. Então, nem oito, nem oitenta!

Dito isso, achei muito interessante o editorial compartilhado pelo colega Luis Felipe Schneider. Ele relatou que quando era editor da Revista da Faculdade de Odontologia de Passo Fundo convidou o Prof. Sakaguchi, da Oregon Health & Science para escrever um editorial sobre Odontologia baseada em Evidências. Para que o texto seja lido por um maior número de pessoas, tomei a liberdade de fazer uma tradução livre do editorial. Logo abaixo segue a versão original.

 

O que é Odontologia Baseada em Evidências?

 

A American Dental Association (ADA) define Odontologia baseada em evidências (OBE) como “uma abordagem para cuidado com a saúde oral que requer uma integração sensata de avaliação sistemática da evidência científica relevante clinicamente, relacionada a condição e histórico oral e médico do paciente, com a experiência clínica do dentista e a necessidade e preferência do paciente”. 

Há vários elementos importantes nesta definição. Primeiro, é importante notar que a OBE inclui três componentes: 1. avaliação sistemática da evidência científica relevante clinicamente; 2. a experiência do dentista, e 3. a necessidade e preferência do paciente. Segundo, é importante lembrar que a OBE é a integração destes três componentes. Muitos clínicos assumem que OBE consiste somente nas evidências científicas e esquece os outros dois fatores.

É também importante lembrar que a “evidência científica” é a melhor evidência disponível e válida. Às vezes uma revisão sistemática ou de metanálise pode não estar disponível para responder uma questão. Neste caso, evidência de menor validade, como resultados de um estudo coorte, caso controle ou relato de caso pode ter que ser suficiente. Isso não significa que não há evidência disponível.

A experiência profissional e as preferências do paciente tem um papel importante no planejamento do tratamento. Indiferente da evidência científica  que podem sugerir um determinado tratamento, se o clínico não tem experiência com um procedimento em particular, o prognóstico pode ficar comprometido. As preferências do paciente também são importantes pois o paciente é que deve tomar a decisão final. O paciente deve tomar a decisão que é ajustada ao risco, baseada em evidência, guiada pelo julgamento e experiência clínica e a preferência do paciente. (ADA EBD Champion Conference, May 2-3, 2008).

Como o clínico pode aplicar a OBE?

A ADA recomendou uma abordagem de prognóstico centralizada no paciente denominada Assess – Advice – Decide (Aborde, Aconselhe, Decida). A etapa de abordagem do clínico inclui a tomada da história, valores e preferências do paciente, exame clínico apropriado, testes diagnósticos, análise dos fatores de risco, opções de tratamento apropriadas e a força da evidência que suporta os diagnósticos diferenciais e as opções de tratamento. A etapa de aconselhamento inclui uma revisão da avaliação clínica e fatores de risco e a informação ao paciente das opções de controle e tratamento baseadas na OBE e na experiência do clínico. A etapa de decisão é do paciente e é baseada na informação recebida pelo paciente, sua experiência pessoal, julgamento, preferência e valores.

Estes três passos são diretrizes simples para atingir OBE na prática.

 

Ronald L. Sakaguchi

A RFO/UPF é uma revista com acesso livre. Para quem quiser visualizar o seu conteúdo, basta realizar cadastro pelo sistema SEER:
http://www.upf.br/seer/index.php/rfo

A OBE está sempre em evolução. E friso que o custo/benefício de uma terapia deve ser também levada em consideração.

Fui incisiva quando relatei certa vez também no facebook que ajuste oclusal para tratar DTM não deve ser mais realizado (antes de colocar no comentário que o estudo da oclusão é importante, leia que é uma terapia para tratar uma DTM, ok?). E baseada em quê que afirmei isso? Primeiro baseada na melhor evidência disponível, uma revisão de metanálise, publicada em revista de alto impacto, com conclusão afirmativa. Depois na minha experiência clínica, onde percebo que o resultado poderia ser o mesmo com terapias não invasivas e reversíveis (sim, já tratei DTM com ajuste oclusal no passado) e depois pelo custo/benefício para o paciente. Ou seja, não confiei somente na evidência e sim em toda vivência. E é por estas e outras que meu conselho maior a todos é ter pensamento crítico e tomar a sua decisão clínica.

E acho que cabe mais uma coisa aqui. Como saber qual é a melhor evidência disponível? Papel aceita tudo e o número de trabalhos publicados com metodologia e conclusões inadequadas é incrível. Por que isso acontece? Porque a publicação é essencial para o currículo do profissional que é estimulado a produzir em maior quantidade e velocidade. Isso faz com que a publicação deixe de servir ao avanço científico.

Então como confiar?

Uma das formas (não infalível, diga-se de passagem) é consultar revistas de alto fator de impacto da nossa área. Por que? Porque para se publicar nestas revistas o artigo passou pelo crivo do editor, e de pelo menos dois revisores independentes. Isso demanda tempo, correções e debates, mas torna a publicação adequada ao seu fim.

Para ler mais sobre fator de impacto, clique aqui.

Vou fazer depois uma postagem só com as revistas de maior impacto na área de dor.

A versão original do Editorial da RFO/UPF (incluindo os links):

What is Evidence-Based Dentistry (EBD)? 
The American Dental Association (U.S.A.) defines evidence–based dentistry as:
“An approach to oral health care that requires the judicious integration of systematic assessments of clinically relevant scientific evidence, relating to the patient’s oral and medical condition and history, with the dentist’s clinical expertise and the patient’s treatment needs and preferences.” (http://ada.org/prof/resources/ebd/glossary.asp)
There are several important elements of this definition. First, it is important to note that EBD includes three components: 1) systematic assessment of clinically relevant scientific evidence, 2) dentist’s clinical expertise, and 3) patient’s treatment needs and preferences. Second, it is important to remember that EBD is the integration of all three components. Many clinicians assume that EBD consists only of scientific evidence and forget the other two critical factors. 

It is also important to remember that ‘scientific evidence’ is the best available and most valid evidence. Sometimes, a metanalysis or systematic review might not be available to answer the question being considered. In that case, evidence of lower validity, such as the results from a cohort study, case control study, or case report might have to suffice. This does not mean that no evidence is available. 

Clinician experience and patient preferences play a major role in treatment design. Regardless of the scientific evidence that might suggest a particular treatment, if the clinician is not experienced with a particular procedure, the outcome will be compromised. Patient preferences are also important considerations because the patient is the final decision maker. The patient should make treatment decisions that are ‘risk-adjusted, evidence-based, clinician judgment/experience-guided and patient-preferred’ (ADA EBD Champion Conference, May 2-3, 2008). 

How can clinicians apply EBD? 
The American Dental Association recommends a patient-centered outcomes approach called, Assess-Advise-Decide (http://ada.org/prof/resources/ebd/conferences_assess.pdf). The Clinician Assessment step includes a thorough history, patient preferences and values, appropriate clinical assessment, diagnostic tests, risk factor assessment, appropriate treatment/management options, and strength of evidence to support the differential diagnoses and treatment options. The Clinician Advice step includes a review of the clinical evaluation and risk factor assessment, and advising the patient with potential treatment/management options based on EBD and clinician experience. The Patient Decision step is a decision based on the advice the patient received, their personal experience, judgment, preferences and values. 

These three steps are simple guidelines to achieve Evidence-Based Dentistry in practice. 

Ronald L. Sakaguchi

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2 pensamentos sobre “Decisão clínica e Odontologia baseada em evidências

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