Podcast – Ortodontia, Bruxismo e DTM – entrevista para o canal Rompendo Fronteiras Ortodontia

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Muito ainda se discute sobre a relação entre oclusão, ortodontia, bruxismo e Disfunção Temporomandibular (DTM). A literatura caminha apontando que a relação não é tão direta como ainda pensam muitos dentistas.
Sobre este assunto, recebi em minha casa (perdoem os ruídos de obra ao fundo) a Daniela Ferreira e o Marcos Campos, dois cirurgiões dentistas, ortodontistas que fizeram um canal no Youtube e perfis nas redes sociais chamado Rompendo Fronteiras Ortodontia, e que são curiosos para saber mais sobre estas condições. Afinal, qual ortodontista que não recebeu em seu consultório um paciente com sinais e sintomas de DTM e tantas duvidas, não é?
Dê um play, siga o Rompendo Fronteiras Ortodontia e deixe seu comentário! Esta entrevista também está no canal deles no Youtube!
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Oclusão e DTM: assunto encerrado?

Semana passada o Prof. André Porporatti em sua página no Facebook, a Doutor tenho Dor, postou a figura abaixo:
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Eu achei muito propicia esta postagem, mas na minha cabeça este era um tema ultrapassado (já até escrevi sobre isso aqui). Achei que todos já entendiam que  uma interferência oclusal não era a causa de dores crônicas na face.
Me enganei. Incrível a quantidade de comentários que vi sobre o assunto.
Aí pensei então em escrever aqui sobre o assunto.
Mas primeiro quero fazer um esclarecimento: não sei de onde tiram a ideia de que sou contra a OCLUSÃO. Quem é o biruta que pensa algo assim sobre um profissional da Odontologia? Pelo contrário, eu acho que o estudo da Oclusão está negligenciado! As pessoas gostam de estudar as técnicas e materiais mas esquecem de algo fundamental para o sucesso de qualquer reabilitação oral!
E mais, existem problemas em que a terapia oclusal (seja por ajuste oclusal, reabilitação ou ortodontia) é necessária! Casos como: instabilidade oclusal, modalidade dentária, fratura de dentes e restaurações, sensibilidade dentária, alteração e comprometimento da função mastigatória, deglutição ou fala, comprometimento dos tecidos periodontais por sobrecarga, etc. Mas prestem atenção, nada  disso é Disfunção Temporomandibular (DTM).
Então lá vem o meu primeiro ponto: se você não sabe o que é DTM, é melhor entender primeiro e conhecer todos os diagnósticos possíveis!
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Em segundo lugar quero propor uma reflexão, quero propor pensamento crítico.
Neste assunto surgem muitos comentários do tipo: eu atendi Fulano e fiz um ajuste oclusal e as dores sumiram. Caramba, se é para debater experiência clínica, acho que encerraríamos a conversa por aqui. Como explicar o fato de que não faço ajuste oclusal para tratar DTM e tenho também sucesso clínico? Seria uma conversa surda e muda. E não chegaríamos a lugar algum.
Também acho inaceitável debater gurus: assisti a palestra do Fulano, professor da Universidade Tal e Qual e ele faz assim, assado e tem sucesso. Ou li no livro do Sicrano (o qual não tem sequer uma referência científica citada). Desculpe, mas guru por guru, acho que os meus são melhores. E agora? Mais uma conversa surda e muda.
Assim, vamos refletir sobre fatos e resultados de pesquisa. E proponho que aquele que tiver um argumento melhor, nos apresente nos comentários. Assim estudamos juntos.
Ah, mas faltam estudos. Sim, a Ciência é assim, ela é uma verdade parcial até que um estudo melhor apareça e mostre o contrário. Mas neste assunto Oclusão X DTM o que não falta é trabalho científico, desde os mais falhos metodologicamente, até com acompanhamento de 20 anos. Então é sim possível debater estudos neste caso.
A primeira vez que falei somente sobre este assunto foi no Congresso Internacional de Odontologia do Rio de Janeiro (CIORJ), acho que em 2011. Naquela ocasião, pedi a um dos meus gurus, o mestre Prof. Paulo Conti , que me mostrasse sua aula sobre o assunto. Para quem não sabe, Prof. Paulo Conti é professor titular da Faculdade de Odontologia de Bauru (USP) e tem sua tese de doutorado sobre o assunto. Ele estuda o tema há muitos anos. Fiquei impressionada com a qualidade do material e da proposta de reflexão baseada em Ciência sobre o tema.
Uma sugestão do professor para mim foi que refletisse na relação entre a Oclusão e a DTM por todos os aspectos e vias e tentasse comprová-la com o que a ciência produziu até o momento.
Uma das formas de se pensar sobre isso é através dos Critérios de Causalidade de Hill. Quanto mais critérios forem preenchidos, mais forte é a associação.
  1. Força da associação: quanto mais forte uma associação, maior será a possibilidade de se tratar de uma relação causal
  2. Consistência ou replicação: o mesmo resultado é obtido em diferentes circunstâncias
  3. Especificidade: causa leva a um só efeito e o efeito tem apenas uma causa
  4. Temporalidade: a causa deve sempre preceder o efeito
  5. Gradiente biológico: curva de dose-resposta
  6. Plausibilidade: existe plausibilidade biológica para o efeito existir?
  7. Coerência: ausência de conflitos entre os achados e o conhecimento sobre a história natural da doença
  8. Evidência experimental: estudos experimentais em populações humanas.
  9. Analogia: efeitos de exposições análogas existem?
É possível pensar na relação Oclusão e DTM sobre estes pontos? Busque verificar cada um deles ao ler um trabalho.
Mas… Sobre qual tipo de má oclusão estamos pensando? Interferências oclusais? Mordida aberta? Overjet ou overbite acentuado? Classe II Divisão 1? Perda de suporte posterior? E agora?
E sobre qual tipo de DTM? Dor miofascial? Deslocamento de disco sem redução? Osteoartrose? Mialgia centralmente mediada?
Os diagnósticos são múltiplos e podem coexistir…
Este fato já gera um problema para a discussão: são muitas combinações, nada é tão simples assim…
Mas vamos em frente, vou propor quatro pontos só e para cada vou colocar pelo menos um trabalho (não dá para escrever uma tese aqui).
  1. Introdução do fator causal (evidência experimental): vamos à lógica – se introduzirmos interferências oclusais, logo os sintomas e sinais de DTM irão aparecer, certo? Bem, não é o que mostram os estudos experimentais com interferências. Por exemplo, uma revisão realizada pelo Prof. Gleen Clark e colaboradores publicada em 1999 observou dados de 28 estudos, 18 em humanos e 10 em animais, nos últimos 60 anos, e chegaram a conclusão que não é possível determinar causalidade. Também, um experimento conduzido pela Profa. Ambra Michelotti e colaboradores introduziu interferências oclusais ativas em pacientes assintomáticos. Os resultados mostraram que o limiar de dor à pressão não foi alterado.

Li um comentário lá na postagem do André que acho pertinente aqui: uma pessoa relatou que apresentava interferência, desenvolveu dores (acredito ser na face pelo relato) e ao ajustar a restauração percebeu melhora. Eu respondi a ela que lesse sobre hipervigilância oclusal (sugiro que vocês também). Também no grupo de pesquisa da professora Ambra Michelotti, um experimento foi realizado em pacientes com graus distintos de hábitos parafuncionais em vigília. Na presença de uma interferência oclusal ativa, os pacientes com menor grau evitaram o contato simplesmente. Já aqueles com maior grau acabaram adquirindo uma posição de fuga da interferência, e aumentando a contração muscular para se manter nesta posição, hipervigilantes a ela. Com isso desenvolveram sintomas de DTM muscular. O problema não foi a interferência em si e sim o que o paciente realizou com sua boca. E aí estudem neurociência e o comportamento de defesa, atenção, vigilância, placebo e expectativa para entenderem mais…

A revisão realizada em 2013 publicada por Xie e colaboradores destaca exatamente o fato de que pacientes sem DTM demonstram boa adaptação a interferências experimentais, enquanto pacientes com DTM apresentam muitas vezes exacerbação de sinais e sintomas e que isso pode estar relacionado aos aspectos emocionais.
  1. Temporalidade: qual a lógica – má oclusão leva a DTM ou DTM leva a má oclusão? Acho que a primeira é sempre a mais citada. Sobre esta relação o ideal era um estudo coorte bem feito, o que é complicado de se encontrar. Alguns estudos mostram resultados interessantes. Por exemplo, o estudo de Mohlin e colaboradores que acompanhou indivíduos dos 11 aos 30 anos e procurou diferenciar as características entre adolescentes com sinais e sintomas de DTM com assintomáticos. Os resultados mostraram que não havia diferença no padrão de contato dentário entre os grupos. Outro estudo que observou por 9 anos pessoas com e sem perda dentária posterior mostrou também não haver diferenças na prevalência, severidade e flutuação de sinais e sintomas de DTM entre os grupos. E ainda, quem atende pacientes com artralgia (capsulite ou sinovite) sabe que um dos sinais presentes é mordida aberta posterior ipsilateral… A forma com que o paciente com dor oclui é a mesma com o qual a ele ocluiria sem dor? Pensem…
Há um trabalho que foi publicado em 2001 pelos professores Paulo Conti e Jefferson Sanada que gosto muito (pena que não achei o PDF, somente em papel). Um experimento simples mas que diz muito sobre o que escrevi agora: eles avaliaram contatos dentários antes e após tratamento de DTM muscular dolorosa. E… o número de contatos aumenta pós tratamento com placas. A pessoa que pensa com a oclusão na cabeça pode até dizer que foi por estabilidade da oclusão. Mas pense no músculo da sua perna. Se você está com dor, você corre? A dor é um sinal que algo está errado e com isso o corpo reage não movimentando. O mesmo acontece com DTM. Para fechar o assunto, estudo recente do grupo de pesquisa do Prof. Peter Svensson da Dinamarca mostrou que experimentalmente a dor não influencia na máxima contração muscular em vigília. Como conclusão os autores sugeriram que o problema não seria a dor e sim como ela é percebida pelo paciente.
E você vai analisar esta oclusão? Será que sem dor o seu paciente não apresentará uma oclusão diferente?
E  os problemas como reabsorção condilar que levam a mordida aberta anterior?
  1. Coerência: o estudo de doutorado do Prof. Paulo Conti,realizado em 1993, apontou que a oclusão não parecia influenciar a presença e severidade da DTM. Uma revisão sistemática publicada já há alguns anos por Mohlin e colaboradores na revista Angle Orthodontics também mostrou que a correlação entre má oclusão e DTM ou é fraca ou é inexistente.
  2. Para terminar vamos ao tratamento! E foi este o ponto mostrado na postagem do André no Doutor tenho Dor: a falta de evidência do uso do ajuste oclusal na terapia para DTM. Um dos artigos mais citados sobre este assunto é uma revisão sistemática Cochrane que mostra a ausência de evidência para concluir que esta terapia é útil não só no tratamento mas na prevenção de DTM. Por este motivo, e também por ser o ajuste oclusal uma terapia irreversível, a Academia Americana de Dor Orofacial, por exemplo, orienta em seu guia que esta terapia não seja utilizada no tratamento para DTM.
O único ponto em que gostaria de enfatizar seria na perda de suporte posterior. A mastigação realizada na região anterior pode em alguns pacientes sobrecarregar a ATM. Já escrevi aqui que a ATM tem uma capacidade adaptativa muito boa (leiam post sobre texto do professor Charles Greene), porém, em algumas pessoas, associado a outros fatores como parafunção, esta sobrecarga pode ultrapassar o limite biológico e levar a problemas articulares. Tem tanto “pode” nesta frase. A bem verdade é esta: nem todo mundo desenvolve problemas.
Ainda, sobre Ortodontia e DTM, sugiro que leiam as postagens que estão no arquivo deste blog.
Enfim, escrevi só um pouquinho sobre este assunto, só um pedaço de tudo que já li sobre o assunto.
Se você tem dúvidas sobre DTM, sobre as terapias, sobre o que levou o paciente a apresentar isso, sugiro que se atualize.
Poucas são as faculdades onde na graduação este tema é abordado, daí a necessidade de criarmos cada vez mais cursos (e blogs… rs).
Para quem deseja se aprimorar, em Agosto de 2016 inicia o curso de Atualização em DTM e Dor Orofacial na ABOSC, em Florianópolis com coordenação do Prof. Paulo Conti e minha. São 10 módulos para conversamos e muito sobre o assunto. O site para mais informações é http://www.abosc.com.br
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Também haverá um curso de aperfeiçoamento em DTM, 6 módulos, no COESP em João Pessoa.
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E também em Fevereiro de 2017, nova turma de Atualização em DTM e Dor Orofacial no tradicional curso em Bauru, no IEO.
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É isso! Abraços a todos!

Sorteio de novo!

Olá pessoal!

Estive no Congresso Internacional de Odontologia de São Paulo (CIOSP), vulgo Congressão, e recebi mais um livro Manual de Ortodontia e DTM: ciências e mitos da Livraria Tota.


Como já escrevi em  outra postagem, o livro foi organizado pelo Kleper Queiroz e tem uma série de autores:

Alessandra Avelar Costa, Fernando Queiroz, Glauber Gimenez Bastidas, Jorge Von ZubenJoão Henrique Padula, José Artur Cunha Pupo, Juliana Stuginski Barbosa, Kepler Queiroz, Maurício A. C. Guimarães, Reynaldo Leite Martins Junior, Rodrigo Wendel dos Santos e Thalia Barcelos Domingues.

Então, com este novo exemplar na mão, decidi sortear novamente!!

E como faz para participar????

As regras mudaram!!! O livro será sorteado entre aqueles que assinam o blog. Hoje são 100 os assinantes, e estes já estão concorrendo!

Se você ainda não assinou o blog, basta colocar seu endereço de email na caixa Inscreva seu Email, localizada no lado superior, direito deste blog.

Não se preocupe, o endereço de email aparece apenas para mim e é através dele que entrarei em contato com o sorteado para enviar o livro.

Cada assinante receberá um número na véspera do sorteio por email e é através deste que irá concorrer.

Assim, o livro será sorteado entre os que se inscreverem até 12 de fevereiro. O sorteio será no dia 14 de fevereiro de 2011!

Boa sorte!!!!

O que o ortodontista deveria entender sobre DTM

Li um texto excelente hoje escrito pelo Prof. Charles Greene na revista American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics. O texto, uma carta direcionada ao editor, foi publicado agora em Janeiro no volume 139 número 1. É uma carta em resposta à um texto publicado pelo Prof. Slavicek, na mesma revista, que discorria sobre a relação Ortodontia X Disfunção Temporomandibular. Neste mesmo volume, saiu também um artigo que objetivou avaliar de que forma a DTM é ensinada em cursos de pós graduação em Ortodontia nos Estados Unidos. Para quem se interessar pelos artigos, aqui está o link da revista: http://www.ajodo.org/

Mas o que me chamou a atenção neste texto foi o trecho em que o Prof. Greene relata o que ele pensa sobre o que o ortodontista deveria saber sobre DTM. No Brasil, creio eu pelas conversas com colegas por aí, com algumas excessões, os cursos de pós graduação não abrem espaço para o debate e reflexões sobre este tema de forma profunda.

O Prof. Greene então relatou que, primeiro, é absolutamente essencial que o ortodontista  compreenda os processos de crescimento e desenvolvimento do sistema mastigatório, sendo que a ATM é um dos principais componentes. Ainda, pode-se discutir com a ciência básica qual seria o papel da ATM nesses processos, porque nem todas essas questões foram resolvidos ainda. Segundo, eles devem reconhecer que desarranjos internos da ATM em  pacientes em fase de crescimento podem causar ligeira assimetria mandibular, e isso deve ser levado em consideração durante o tratamento, no entanto, não há necessidade de tratar esta condição porque muitas vezes os discos vão se adaptar à suas novas posições. Em terceiro lugar, o ortodontista deve estudar e compreender os efeitos dos aparelhos funcionais sobre a mandíbula em crescimento e evitar a sua utilização em pacientes adultos. Finalmente, eles deveriam tentar terminar o tratamento com a ATM em uma posição retruída, razoável e biologicamente aceitável. Ao contrário do gnatologistas, que falam de posições, como a relação cêntrica em décimos de milímetros, o Prof. Greene acredita que a posições  condilar obtida ao final do tratamento ortodôntico será boa o suficiente, exceto quando em posição protuída. Se o dentista que refere pacientes a você referindo procura um razoável grau de precisão  neste assunto, o professor sugere que você converse com ele e explique então sobre o funcionamento da ATM e como esta pode se adaptar à finalização de diversas técnicas ortodônticas.

O texto segue com  o que diz respeito à DTM em si. Já está claro que o ortodontista deve avaliar seus pacientes antes do tratamento ortodôntico para sinais e sintomas de DTM, mas deve ter um conhecimento dos sintomas triviais e daqueles realmente significativos. Deve-se ter cuidado com aqueles pacientes que tenham um histórico de DTM, pois sabemos que os sintomas são flutuantes e estes têm risco maior de apresentar recorrências durante o tratamento ortodôntico. Se os sintomas aparecerem durante o tratamento, o ortodontista deve estar preparo para reconhecê-los e tratá-los ou encaminhá-los enquanto suspende a terapia ortodôntica ativa momentaneamente. Se isso acontece com frequencia em alguns pacientes, deve-se pensar em alterar o plano de tratamento ou mesmo suspendê-lo.

E o Prof. Charles Greene encerra esta parte do texto com o trecho mais importante na sua e na minha opinião: os ortodontistas devem dizer NÃO aos dentistas e pacientes que procuram a Ortodontia como solução para os problemas relacionados a DTM.

O texto na íntegra está aqui: http://www.ajodo.org/

Entrevista com o Prof. Charles Greene sobre o mesmo assunto: http://www.orthodonticproductsonline.com/issues/articles/2007-03_06.asp

Mais sobre Ortodontia X DTM aqui.

Abraços e boa semana!