Odontalgia Atípica

Ontem falei para profissionais da saúde sobre Odontalgia Atípica (OA) e Síndrome da Ardência Bucal durante o Sábado da Cefaleia, evento promovido pela Sociedade Brasileira de Estudo para Dor (SBED) e Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBCe).

Então, lembrei que ainda não tinha escrito nada sobre OA aqui no blog! Resolvi fazer um texto curtinho, da mesma forma que foi a palestra, para apresentar esta condição clínica a quem ainda não está familiarizado. Isso é muito importante. Eu acredito que as dores neuropáticas intraorais precisam ser divulgadas para que o diagnóstico seja realizado e ocorra melhora na qualidade de vida dos pacientes.

Odontalgia Atípica (OA) é um —termo aplicado à dor contínua em dente ou região de alvéolo dentário, após exodontia, na ausência de qualquer causa odontogênica identificável e —faz parte de um grupo maior de condições classificadas pela Sociedade Internacional de Cefaleias (2004) como dor facial persistente idiopática.

A —dor é constante, com características de queimação, ardência ou pontadas, presente por mais de 4 meses e inalterada. —Unilateral, não segue distribuição nervosa e é ausente durante o sono, sem caráter paroxísticos. —Estimulação por pressão no local não altera dor, entretanto, há presença de alodínia e hiperalgesia. —Bloqueio anestésico local pode não ser conclusivo ou efetivo.

Em 83 a 93% dos casos a dor iniciou após tratamento odontológico. O grande problema desta condição é a demora no diagnóstico. Geralmente é realizado o tratamento endodôntico. Depois de algum temp0, o dente passa a doer, de forma constante, o que faz com o que o paciente retorne ao dentista. E então, o dentista, mesmo diante de um tratamento endodôntico adequado, tente a realizar um procedimento no intuito de aliviar a dor. Apicectomias e exodontias são os procedimentos de eleição. O que acontece depois? Bem, a dor persiste, agora na região do alvéolo.

E por que isso?

Todo o procedimento invasivo, e isso inclui a maioria dos tratamentos odontológicos, leva a secção de fibras nervosas. No caso do tratamento endodôntico, as fibras são seccionadas ao nível do ápice dental. Ali pode ocorrer três processos. O mais comum é a cicatrização destas fibras, com ausência de dor. Mas dois outros processos, que podem ocorrer simultaneamente ou não, podem levar a dor neuropática.

A liberação por via antidrômica (de dentro para fora) de substância P e outros neuropeptídeos pró dor no local, faz com ocorra a sensibilização das terminações nervosas ali localizadas, aumenta-se os impulsos nervosos ao sistema nervoso central. Se o paciente estiver com a modulação de dor prejudicada, pode ocorrer um processo denominado sensibilização central, que pode manter a dor mesmo se a liberação de neuropeptídeos na periferia cessar. Este quadro recebe o nome de dor por desaferentação.

Ainda, pode ocorrer a formação de neuroma, que foi descrito em outro post aqui no blog.

Assim, sabendo a fisiopatologia, podemos pensar no tratamento. Infelizmente —não há um consenso sobre um protocolo terapêutico mais adequado:

  • OA foi recentemente reconhecida
  • Difícil diagnóstico
  • Ausência de estudos bem elaborados de controle clínico para avaliar a eficácia dos medicamentos

Assim, o que há descrito na literatura é o uso de medicamentos tópicos como capsaícina associada a lidocaína. A aplicação seria realizada com auxílio de moldeiras, seja confeccionadas com resina acrílica ou mesmo acetato. O importante é a vedação, já que capsaícina é uma substância dervivada da pimenta vermelha, e pode não ser muito agradável se tocar na língua! A função da capsaícina seria esgotar as reservas de substância P naquela região (“depletar”).

Mas, agora vou falar por experiência própria, nem sempre isso é suficiente e há necessidade de associar uma medicação via oral para dor neuropática, como antidepressivo tricíclico, gabapentina, pregabalina, etc…

Bem, o recado está dado. Quer ler mais sobre o assunto? Achei um artigo da equipe do Prof. Clark que saiu na JADA, gratuito! Clique aqui ó: http://jada.ada.org/cgi/reprint/140/2/223

Boa semana a todos!

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Neuroma traumático

A partir do momento que divulgamos a necessidade do diagnóstico de dores neuropáticas orofaciais, sobretudo aquelas presentes pós tratamento odontológico, mais casos são diagnosticados com redução no sofrimento apresentado pelos pacientes.

Um dos problemas que deve ser levado em consideração é a presença de neuroma traumático.   Os neuromas traumáticos são caracterizados por dor neuropática associada ao trauma prévio. É importante observar que cicatrizes mucogengivais após os procedimentos cirúrgicos orais, como exodontias e apicectomias podem levar a uma dor neuropática típica.

Esse tipo de cicatriz mucogengival revela dor  quando a pressão digital é aplicada sobre a área ou quando a área é comprimida pela base de uma prótese. O que ocorre normalmente é a negligência por parte do clínico destes pontos diminutos de dor.

Para facilitar o diagnóstico vou listar abaixo as principais características das cicatrizes mucogengivais com formação de neuromas:

  1. história clínica de cirurgia ou lesão lacerante no local da dor
  2. massa tecidual geralmente não visível ou palpável
  3. ausência de queixa dolorosa, exceto quando o local é agravado por pressão ou estiramento
  4. injeção de uma gota de anestésico no local da dor produz prontamente a eliminação da dor pelo período da anestesia.

Deve-se lembrar que se trata de uma dor crônica, com duração acima de 3 meses após o procedimento odontológico.

As informações deste post eu retirei do livro Dores Bucofaciais de Bell, do Okeson. Acho que é uma excelente fonte de informação para quem deseja entender um pouco mais sobre as dores que afetam a área de atuação do cirurgião dentista.

No ambulatório de Cefaleia e Algias Craniofaciais do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto – USP depara-se com pacientes com quadro clínico semelhante, associado à incisões realizadas na pele, pós craniotomia.

Você por um acaso já se deparou com um caso que se assemelhe às características acima? Seu paciente já chegou tocando o local onde foi realizada a incisão de uma cirurgia e relatando dor?