Estou acompanhando as notícias envolvendo a toxina botulínica. Já publiquei algo aqui no blog. Mas desde o meio de junho, quando a imprensa divulgou de forma ampla a aprovação da ANVISA para o uso da toxina botulínica no tratamento da enxaqueca, fiquei curiosa em saber a opinião dos médicos neurologistas sobre o assunto.
Assim, em um bate papo, ou melhor, troca de emails com o amigo Prof. Reynaldo Leite Martins Jr, do site DTM e Dor Orofacial, surgiu a ideia de realizar uma entrevista sobre o assunto com pessoas que realmente conhecem a enxaqueca. E como não lembrar do Prof. Dr. José Geraldo Speciali?
Prof. Speciali é professor associado do departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP (FMRP-USP); chefe do Ambulatório de Cefaleia e Algias Craniofaciais do Hospital das Clínicas da FMRP-USP, membro da Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBCe) e também do comitê de Cefaleia da Sociedade Brasileira de Estudo para Dor (SBED), autor de diversos trabalhos na área de dor e foi meu orientador de Mestrado!
Se há uma pessoa que merece ser chamado de PROFESSOR, assim mesmo, com todas as letras maiúsculas, esta é o Prof. Dr. José Geraldo Speciali. Quero aproveitar que o convidamos para esta entrevista para agradecer publicamente ao senhor, Dr. Speciali, pela generosidade com a qual compartilha de suas ideias e conhecimentos!!! MUITO OBRIGADA!!!
Escrito isso, vamos à entrevista!
Toxina Botulínica no tratamento da migrânea
Dr. Speciali, o uso da toxina botulínica (TB) para o tratamento de diversas condições de dor crônica tem recebido considerável cobertura da mídia. Recentemente a Anvisa aprovou seu uso para tratamento profilático de migrânea. Quais as evidências da sua eficácia para esta condição e qual a forma de ação local da toxina botulínica que promove a sua utilidade no tratamento da migrânea crônica?
Nessa pergunta está o primeiro erro da mídia! A TB NÃO FOI APROVADA PARA TRATAMENTO DA MIGRÂNEA (sinônimo de enxaqueca). A Anvisa aprovou a TB para tratamento da Migrânea Crônica Refratária. Isso indica que o tratamento de TB está aprovado apenas para essa doença e não para as enxaquecas em geral ou outros tipos de dor de cabeça. As medidas medicamentosas já existentes para a enxaqueca e outras cefaléias, ainda devem permanecer como as de primeira escolha por parte de um profissional competente. Para o tratamento da migranea crônica refratária as evidencias da eficácia da TB se baseiam num estudo multicêntrico do qual participaram vários centros de tratamento de cefaleia ao redor do mundo – 106 nos Estados Unidos e 16 na Europa. O estudo foi batizado com o nome de PREEMPT. Esse estudo, realmente comprova que a TB, quando bem indicada pode melhorar as cefaleias e a qualidade de vida de pacientes com enxaqueca crônica refratária. O mecanismo de ação da toxina botulínica na migrânea crônica refratária ainda é controverso mas aceita-se que ela atue diminuindo a tensão muscular (que pode perpetuar a migrânea) e também através de mecanismos de antinocicepção atuando nos primeiros e segundos neurônios da cadeia da sensibilidade.
Medicamentos tem sua eficácia testada através de ensaios clínicos aleatórios duplo-cegos placebo-controlados. No caso específico da toxina botulínica é possível que voluntários possam perceber de maneira diferente os resultados do fármaco e do placebo deixando de ser “cegos”. Caso isso ocorra, explicaria eventuais diferenças em eventuais resultados diferentes entre o uso do fármaco e do placebo em ensaios clínicos?
Essa pergunta é muito interessante e inteligente. Os estudos de primeira linha para comprovar a eficácia de um novo tratamento devem ser elaborados comparando a ação de um placebo (teoricamente sem ação na doença) com a da droga ativa. Eu particularmente não acredito que o médico e o paciente não percebam nas primeiras semanas se o tratamento utilizado foi o da TB ou o placebo. A ação da TB está na cara, ou melhor está nas rugas que permanecem com o placebo e diminuem com a TB. Desta forma a técnica se que chamamos de duplo-cego está comprometida. Tanto médico como os pacientes percebem se foi utilizado em cada paciente a TB ou o placebo. Essa percepção tendencía os resultados, pois é mais lógico o paciente referir melhora se tiver a impressão de que recebeu a droga ativa e não o placebo.
Para a maioria das condições de dor crônica apresenta estão disponíveis diversas modalidades diferentes de tratamento, desde as conservadoras, reversíveis e de baixo custo até as invasivas, irreversíveis e dispendiosas. Qual o papel da toxina botulínica nestes casos, em comparação com outras modalidades?
A TB pode ser considerada a última esperança, a última chance de reverter um quadro de enxaqueca refratária aos outros tratamentos já padronizados para a enxaqueca. Tais tratamentos devem ser feitos por médicos experientes no tratamento da enxaqueca crônica. O único especialista preparado para indicar a TB para cefaleia é um médico com especialização em dor.
Quais os riscos a que estão sujeitos o paciente e o profissional, caso esse seja treinado no uso do fármaco, mas não no reconhecimento das diversas condições de dor crônica?
A indicação de TB para outras doenças, que não aquelas aprovadas pela ANVISA pode levar o profissional que realizou o tratamento a ter problemas legais, principalmente naqueles casos que o paciente teve efeitos adversos graves e considera-se no direito de processar o medico para ser compensado dos problemas advindos da mal indicação do tratamento. Se o tratamento foi mal indicado pelo médico por desconhecimento da doença, com certeza ele poderá ter problemas.
Excelente entrevista!!! Muito legal! Só posso dar os parabéns!
E realmente Dr. Speciali é um grande professor que tive o prazer de conhecer!
Um abraçoooo!
Bela Matéria, parabéns!!!
Dr. Speciali é um grande professor e sou muito honrado por ter assitido suas palestras,DR SPECIALI É ESPECIAL .E devemos sim reverenciá-lo pois ele sim é Mestre ,Doutor na essência da palavra. É impossível não gostardo professor Speciali.
Deixo aqui um abraço a Drª Juliana por mais uma materia de real valor científico .
Um grande abraço.
Alexandre Eduardo de Oliveira Gomes
Clínica de dor -UFTM
Pingback: OdontofoGUIA! #08 | Medo de Dentista